O Brasil, após a Segunda Guerra Mundial, inicia um novo período de sua história, esse é marcado pelo desenvolvimento econômico, pela democratização política e pelo surgimento de novas tendências artísticas e culturais.
A geração de 45 marca essa mudança, com o objetivo de dar um novo aspecto aos meios de expressão a partir de uma pesquisa sobre a linguagem.
O traço formalizante caracteriza essa geração de poetas, várias obras foram publicadas nessa época, na prosa os gêneros conto e romance tiveram destaque. O regionalismo recuperou seu espaço, a sondagem psicológica foi desenvolvida, o espaço urbano foi, também, objeto de enfoque.
Os escritores dessa geração que mais se destacaram foram: Rubem Braga, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, Mário Palmério e outros.
Rubem Braga
"Sempre tenho confiança de que não serei maltratado na
porta do céu, e mesmo que São Pedro tenha ordem
para não me deixar entrar, ele ficará indeciso
quando eu lhe disser em voz baixa:
"Eu sou lá de Cachoeiro..."
Na noite de segunda-feira, 17 de dezembro de 1990, o escritor Rubem Bragareuniu um pequeno grupo de amigos, cada vez mais selecionados por ele, na sua cobertura em Ipanema. Foi uma visita silenciosa, mas claramente subentendida pelos amigos Moacyr Werneck de Castro, Otto Lara Resende e Edvaldo Pacote. Às 23h30 da noite de quarta-feira, sedado num quarto do Hospital Samaritano, Rubem Braga morreu, sozinho como desejara e pedira aos amigos.
A causa da morte foi uma parada respiratória em conseqüência de um tumor na laringe que ele preferiu não operar nem tratar quimicamente.
Rubem Braga, considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, ES, a 12 de janeiro de 1913. Iniciou seus estudos naquela cidade, porém, quando fazia o ginásio, revoltou-se com um professor de matemática que o chamou de burro e pediu ao pai para sair da escola. Sua família o enviou para Niterói, onde moravam alguns parentes, para estudar no Colégio Salesiano. Iniciou a faculdade de Direito no Rio de Janeiro, mas se formou em Belo Horizonte, MG, em 1932, depois de ter participado, como repórter dos Diários Associados, da cobertura da Revolução Constitucionalista, em Minas Gerais — no front da Mantiqueira conheceu Juscelino Kubitschek de Oliveira e Adhemar de Barros.
Na capital mineira se casou, em 1936, com Zora Seljan Braga, de quem posteriormente se desquitou, mãe de seu único filho Roberto Braga.
Foi correspondente de guerra do Diário Carioca na Itália, onde escreveu o livro "Com a FEB na Itália", em 1945, sendo que lá fez amizade com Joel Silveira. De volta ao Brasil morou em Recife, Porto Alegre e São Paulo, antes de se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro, primeiro numa pensão do Catete, onde foi companheiro de Graciliano Ramos; depois, numa casa no Posto Seis, em Copacabana, e por fim num apartamento na Rua Barão da Torre, em Ipanema.
Sua vida no Brasil, no Estado Novo, não foi mais fácil do que a dos tempos de guerra. Foi preso algumas vezes, e em diversas ocasiões andou se escondendo da repressão.
Seu primeiro livro, "O Conde e o Passarinho", foi publicado em 1936, quando o autor tinha 22 anos, pela Editora José Olympio. Na crônica-título, escreveu: "A minha vida sempre foi orientada pelo fato de eu não pretender ser conde." De fato, quase tanto como pelos seus livros, o cronista ficou famoso pelo seu temperamento introspectivo e por gostar da solidão. Como escritor, Rubem Braga teve a característica singular de ser o único autor nacional de primeira linha a se tornar célebre exclusivamente através da crônica, um gênero que não é recomendável a quem almeja a posteridade. Certa vez, solicitado pelo amigo Fernando Sabino a fazer uma descrição de si mesmo, declarou: "Sempre escrevi para ser publicado no dia seguinte. Como o marido que tem que dormir com a esposa: pode estar achando gostoso, mas é uma obrigação. Sou uma máquina de escrever com algum uso, mas em bom estado de funcionamento."
Foi com Fernando Sabino e Otto Lara Resende que Rubem Braga fundou, em 1968, a editora Sabiá, responsável pelo lançamento no Brasil de escritores como Gabriel Garcia Márquez, Pablo Neruda e Jorge Luis Borges.
Segundo o crítico Afrânio Coutinho, a marca registrada dos textos de Rubem Braga é a "crônica poética, na qual alia um estilo próprio a um intenso lirismo, provocado pelos acontecimentos cotidianos, pelas paisagens, pelos estados de alma, pelas pessoas, pela natureza."
A chave para entendermos a popularidade de sua obra, toda ela composta de volumes de crônicas sucessivamente esgotados, foi dada pelo próprio escritor: ele gostava de declarar que um dos versos mais bonitos de Camões ("A grande dor das coisas que passaram") fora escrito apenas com palavras corriqueiras do idioma. Da mesma forma, suas crônicas eram marcadas pela linguagem coloquial e pelas temáticas simples.
Como jornalista, Braga exerceu as funções de repórter, redator, editorialista e cronista em jornais e revistas do Rio, de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. Foi correspondente de "O Globo" em Paris, em 1947, e do "Correio da Manhã" em 1950. Amigo de Café Filho (vice-presidente e depois presidente do Brasil) foi nomeado Chefe do Escritório Comercial do Brasil em Santiago, no Chile, em 1953. Em 1961, com os amigos Jânio Quadros na Presidência e Affonso Arinos no Itamaraty, tornou-se Embaixador do Brasil no Marrocos. Mas Braga nunca se afastou do jornalismo. Fez reportagens sobre assuntos culturais, econômicos e políticos na Argentina, nos Estados Unidos, em Cuba, e em outros países. Quando faleceu, era funcionário da TV Globo. Seu amigo Edvaldo Pacote, que o levou para lá, disse: "O Rubem era um turrão, com uma veia extraordinária de humor. Uma pessoa fechada, ao mesmo tempo poeta e poético. Era preciso ser muito seu amigo para que ele entreabrisse uma porta de sua alma. Ele só era menos contido com as mulheres. Quando não estava apaixonado por uma em particular, estava apaixonado por todas. Eu o levei para a Globo... Ele escrevia todos os textos que exigiam mais sensibilidade e qualidade, e fazia isto mantendo um grande apelo popular."
Bibliografia:
CRÔNICAS:
- O Conde e o Passarinho, 1936
- O Morro do Isolamento, 1944
- Com a FEB na Itália, 1945
- Um Pé de Milho, 1948
- O Homem Rouco, 1949
- 50 Crônicas Escolhidas, 1951
- Três Primitivos, 1954
- A Borboleta Amarela, 1955
- A Cidade e a Roça, 1957
- 100 Crônicas Escolhidas, 1958
- Ai de ti, Copacabana, 1960
- O Conde e o Passarinho e O Morro do Isolamento, 1961
- Crônicas de Guerra - Com a FEB na Itália, 1964
- A Cidade e a Roça e Três Primitivos, 1964
- A Traição das Elegantes, 1967
- As Boas Coisas da Vida, 1988
- O Verão e as Mulheres, 1990
- 200 Crônicas Escolhidas
- Casa dos Braga: Memória de Infância (destinado ao público juvenil)
- 1939 - Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front), 2002
- Histórias do Homem Rouco
- Os melhores contos de Rubem Braga (seleção Davi Arrigucci)
- O Menino e o Tuim
- Recado de Primavera
- Um Cartão de Paris
- Pequena Antologia do Braga
- O Morro do Isolamento, 1944
- Com a FEB na Itália, 1945
- Um Pé de Milho, 1948
- O Homem Rouco, 1949
- 50 Crônicas Escolhidas, 1951
- Três Primitivos, 1954
- A Borboleta Amarela, 1955
- A Cidade e a Roça, 1957
- 100 Crônicas Escolhidas, 1958
- Ai de ti, Copacabana, 1960
- O Conde e o Passarinho e O Morro do Isolamento, 1961
- Crônicas de Guerra - Com a FEB na Itália, 1964
- A Cidade e a Roça e Três Primitivos, 1964
- A Traição das Elegantes, 1967
- As Boas Coisas da Vida, 1988
- O Verão e as Mulheres, 1990
- 200 Crônicas Escolhidas
- Casa dos Braga: Memória de Infância (destinado ao público juvenil)
- 1939 - Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front), 2002
- Histórias do Homem Rouco
- Os melhores contos de Rubem Braga (seleção Davi Arrigucci)
- O Menino e o Tuim
- Recado de Primavera
- Um Cartão de Paris
- Pequena Antologia do Braga
ROMANCES:
- Casa do Braga
ADAPTAÇÕES:
- O Livro de Ouro dos Contos Russos
- Os Melhores Poemas de Casimiro de Abreu (Seleção e Prefácio)
- Coleção Reencontro Audiolivro - Cirano de Bergerac - Edmond Rostand
- Coleção Reencontro: As Aventuras Prodigiosas de Tartarin de Tarascon Alphonse Daudet
- Coleção Reencontro: Os Lusíadas - Luis de Camões (com Edson Braga)
- Os Melhores Poemas de Casimiro de Abreu (Seleção e Prefácio)
- Coleção Reencontro Audiolivro - Cirano de Bergerac - Edmond Rostand
- Coleção Reencontro: As Aventuras Prodigiosas de Tartarin de Tarascon Alphonse Daudet
- Coleção Reencontro: Os Lusíadas - Luis de Camões (com Edson Braga)
TRADUÇÃO:
Antoine de Saint-Exupéry - Terra dos Homens.
SOBRE O AUTOR:
- Na Cobertura de Rubem Braga - João Castello
- Rubem Braga - Jorge de Sá
- Rubem Braga - Um cigano fazendeiro do ar - Marco Antonio de Carvalho
Visite a casa do autor em www.overmundo.com.br/guia/casa-dos-braga
- Rubem Braga - Jorge de Sá
- Rubem Braga - Um cigano fazendeiro do ar - Marco Antonio de Carvalho
Visite a casa do autor em www.overmundo.com.br/guia/casa-dos-braga
No volume publicado, também de crônicas, "As Coisas Boas da Vida", em 1988,Rubem Braga enumera, no texto que dá título ao livro "as dez coisas que fazem a vida valer a pena". A última delas: "Pensar que, por pior que estejam as coisas, há sempre uma solução, a morte — o assim chamado descanso eterno".
Dados obtidos em sítios da Internet, livros do autor e em trabalhos realizados por Luciano Trigo e João Máximo no jornal "O Globo".
Clarice Lispector
"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
1920- Clarice Lispector nasce em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro, tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e de Mania Lispector. Seu nascimento ocorre durante a viagem de emigração da família em direção à América.
1922- Seu pai consegue, em Bucareste, um passaporte para toda a família no consulado da Rússia. Era fevereiro quando foram para a Alemanha e, no porto de Hamburgo, embarcam no navio "Cuyaba" com destino ao Brasil. Chegam a Maceió em março desse ano, sendo recebidos por Zaina, irmã de Mania, e seu marido e primo José Rabin, que viabilizara a entrada da biografada e de sua família no Brasil mediante uma "carta de chamada". Por iniciativa de seu pai, à exceção de Tania — irmã, todos mudam de nome: o pai passa a se chamar Pedro; Mania, Marieta; Leia — irmã, Elisa; e Haia, em Clarice. Pedro passa a trabalhar com Rabin, já um próspero comerciante.
1925
- A família muda-se para Recife, Pernambuco, onde Pedro pretende construir uma nova vida. A doença de sua mãe, Marieta, que ficou paralítica, faz com que sua irmã Elisa se dedique a cuidar de todos e da casa.
1928- Passa a freqüentar o Grupo Escolar João Barbalho, naquela cidade, onde aprende a ler. Durante sua infância a família passou por sérias crises financeiras.
1930- Morre a mãe de Clarice no dia 21 de setembro. Nessa época, com nove anos, matricula-se no Collegio Hebreo-Idisch-Brasileiro, onde termina o terceiro ano primário. Estuda piano, hebraico e iídiche. Uma ida ao teatro a inspira e ela escreve "Pobre menina rica", peça em três atos, cujos originais foram perdidos. Seu pai resolve adotar a nacionalidade brasileira.1931
- Inscreve-se para o exame de admissão no Ginásio Pernambucano. Já escrevia suas historinhas, todas recusadas pelo Diário de Pernambuco, que àquela época dedicava uma página às composições infantis. Isso se devia ao fato de que, ao contrário das outras crianças, as histórias de Clarice não tinham enredo e fatos — apenas sensações. Convive com inúmeros primos e primas.
1932
- É aprovada no exame de admissão e, junto com sua irmã Tania e sua prima Bertha, ingressa no tradicional Ginásio Pernambucano, fundado em 1825. Passa a visitar a livraria do pai de uma amiga. Lê "Reinações de Narizinho", de Monteiro Lobato, que pegou emprestado, já que não podia comprá-lo.
1933
- Seu pai prospera e mudam-se para casa própria, no mesmo bairro.
1934
- Pedro, pai de Clarice, em Dezembro desse ano, decide transferir-se para a cidade do Rio de Janeiro.
1935
- Viaja para o Rio, em companhia de sua irmã Tania e de seu pai, na terceira classe do vapor inglês "Highland Monarch". Vão morar numa casa alugada perto do Campo de São Cristóvão. Ainda nesse ano, mudam-se para uma casa na Tijuca, na rua Mariz e Barros. No colégio Sílvio Leite, na mesma rua de sua casa, cursa o quarta série ginasial. Lê romances adocicados, próprios para sua idade.
1936
- Termina o curso ginasial. Inicia-se na leitura de livros de autores nacionais e estrangeiros mais conhecidos, alugados em uma biblioteca de seu bairro. Conhece os trabalhos de Rachel de Queiroz, Machado de Assis, Eça de Queiroz, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Dostoiévski e Júlio Diniz.
1937- Matricula-se no curso complementar (dois últimos anos do curso secundário) visando o ingresso na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.
1938
- Transfere-se para o curso complementar do colégio Andrews, na praia de Botafogo. Às voltas com dificuldades financeiras, dá aulas particulares de português e matemática. A relação professor/aluno seria um dos temas preferidos e recorrentes em toda a sua obra — desde o primeiro romance:Perto do Coração Selvagem. Ao mesmo tempo, aprende datilografia e faz inglês na Cultura Inglesa.
1939- Inicia seus estudos na Faculdade Nacional de Direito. Faz traduções de textos científicos para revistas em um laboratório onde trabalha como secretária. Trabalha, também como secretária, em um escritório de advocacia.
1940- Seu conto, Triunfo, é publicado em 25 de maio no semanário "Pan", de Tasso da Silveira. Em outubro desse ano, é publicado na revista "Vamos Ler!", editada por Raymundo Magalhães Júnior, o conto Eu e Jimmy. Esses trabalhos não fazem parte de nenhuma de suas coletâneas. Após a morte de seu pai, no dia 26 de agosto, a escritora — talvez motivada por esse acontecimento — escreve diversos contos: A fuga, História interrompida e O delírio. Esses contos serão publicados postumamente em A bela e a fera, de 1979. Passa a morar com a irmã Tania, já casada, no bairro do Catete. Consegue um emprego de tradutora no temido Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP, dirigido por Lourival Fontes. Como não havia vaga para esse trabalho, Clarice ganha o lugar de redatora e repórter da Agência Nacional. Inicia-se, ai, sua carreira de jornalista. No novo emprego, convive com Antonio Callado, Francisco de Assis Barbosa, José Condé e, também, com Lúcio Cardoso, por quem nutre durante tempos uma paixão não correspondida: o escritor era homossexual. Com seu primeiro salário, entra numa livraria e compra "Bliss - Felicidade", de Katherine Mansfield, com tradução de Erico Verissimo, pois sentiu afinidade com a escritora neozelandesa.
1941- Em 19 de janeiro, publica a reportagem "Onde se ensinará a ser feliz", no jornal "Diário do Povo", de Campinas (SP), sobra a inauguração de um lar para meninas carentes realizada pela primeira-dama Darcy Vargas. Além de textos jornalísticos, continua a publicar textos literários. Cursando o terceiro ano de direito, colabora com a revista dos estudantes de sua faculdade, "A Época", com os artigos Observações sobre o fundamento do direito de punir e Deve a mulher trabalhar? Passa a freqüentar o bar "Recreio", na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, ponto de encontro de autores como Lúcio Cardoso, Vinicius de Moraes, Rachel de Queiroz, Otávio de Faria, e muitos mais.
1942
- Começa a namorar com Maury Gurgel Valente, seu colega de faculdade. Com 22 anos de idade, recebe seu primeiro registro profissional, como redatora do jornal "A Noite". Lê Drummond, Cecília Meireles, Fernando Pessoa e Manuel Bandeira. Realiza cursos de antropologia brasileira e psicologia, na Casa do Estudante do Brasil. Nesse ano, escreve seu primeiro romance, Perto do coração selvagem.1943- Casa-se com o colega de faculdade Maury Gurgel Valente e termina o curso de Direito. Seu marido, por concurso, ingressa na carreira diplomática.
1944- Muda-se para Belém do Pará (PA), acompanhando seu marido. Fica por lá apenas seis meses. Seu livro recebe críticas favoráveis de Guilherme Figueiredo, Breno Accioly, Dinah Silveira de Queiroz, Lauro Escorel, Lúcio Cardoso, Antonio Cândido e Ledo Ivo, entre outros. Álvaro Lins publica resenha com reparos ao livro mesmo antes de sua publicação, baseado na leitura dos originais. Qualifica o livro de "experiência incompleta". Há os que pretendem não compreender o romance, os que procuram influências — de Virgínia Wolf e James Joyce, quando ela nem os tinha lido — e ainda os que invocam o temperamento feminino. Nas palavras de Lauro Escorel, as características do romance revelam uma "personalidade de romancista verdadeiramente excepcional, pelos seus recursos técnicos e pela força da sua natureza inteligente e sensível." O casal volta ao Rio e, em 13/07/44, muda-se para Nápoles, em plena Segunda Guerra Mundial, onde o marido da escritora vai trabalhar. Já na saída do Brasil, Clarice mostra-se dividida entre a obrigação de acompanhar o marido e ter de deixar a família e os amigos. Quando chega à Itália, depois de um mês de viagem, escreve: "Na verdade não sei escrever cartas sobre viagens, na verdade nem mesmo sei viajar." Termina seu segundo romance, O lustre. Recebe o prêmio Graça Aranha com Perto do coração selvagem, considerado o melhor romance de 1943. Conhece Rubem Braga, então correspondente de guerra do jornal "Diário Carioca".
1945- Dá assistência a brasileiros feridos na guerra, trabalhando em hospital americano. O pintor italiano Giorgio De Chirico pinta-lhe um retrato. Viaja pela Europa e conhece o poeta Giuseppe Ungaretti. O lustre é publicado no Brasil pela Livraria Agir Editora.
1946- Após o lançamento do livro, Clarice vem ao Brasil como correio diplomático do Ministério das Relações Exteriores, aqui ficando por quase três meses. Nessa época, apresentado por Rubem Braga, conhece Fernando Sabino que a introduz a Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e, posteriormente, a Hélio Pellegrino. De volta à Europa, vai morar com a família em Berna, Suíça, para onde seu marido havia sido designado como segundo-secretário. Sua correspondência com amigos brasileiros a mantinha a par das novidades, em especial as trocadas com Fernando Sabino. A troca de cartas com o escritor, quase que diariamente, duraria até janeiro de 1969. A convite, passam as festas de fim de ano com Bluma e Samuel Wainer, em Paris.
1947
- Em carta às irmãs, em janeiro de 47, de Paris, Clarice expõe seu estado de inadaptação:"Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês. É qualquer uma." Em carta a Lúcio Cardoso, que havia lhe enviado seu livro "Anfiteatro", demonstra sua admiração pelas personagens femininas da obra.
1948- Clarice fica grávida de seu primeiro filho. Para ela, a vida em Berna é de miséria existencial. A Cidade Sitiada, após três anos de trabalho, fica pronto. Terminado o último capítulo, dá à luz. Nasce então um complemento ao método de trabalho. Ela escreve com a máquina no colo, para cuidar do filho. Na crônica "Lembrança de uma fonte, de uma cidade", Clarice afirma que, em Berna, sua vida foi salva por causa do nascimento do filho Pedro, ocorrido em 10/09/1948, e por ter escrito um dos livros "menos gostados" (a editora Agir recusara a publicação).
1949
- Clarice volta ao Rio. Seu marido é removido para a Secretaria de Estado, no Rio de Janeiro. A cidade sitiada é publicado pela editora "A Noite". O livro não obtém grande repercussão entre o público e a crítica.
1950- Escrevendo contos e convivendo com os amigos (Sabino, Otto, Lúcio e Paulo M. Campos), vê chegar a hora de partir: seguindo os passos de seu marido, retorna à Europa, onde mora por seis meses na cidade de Torquay, Inglaterra.
Sofre um aborto espontâneo em Londres. É atendida pelo vice-cônsul na capital inglesa, João Cabral de Melo Neto.
1951- A escritora retorna ao Rio de Janeiro, em março. Publica uma seleta com seis contos na coleção "Cadernos de cultura", editada pelo Ministério da Educação e Saúde. Falece sua grande amiga Bluma, ex-esposa de Samuel Wainer.
1952- Cola grau na faculdade de direito, depois de muitos adiamentos. Volta a trabalhar em jornais, no período de maio a outubro, assinando a página "Entre Mulheres", no jornal "Comício", sob o pseudônimo de "Tereza Quadros". Atendeu a um pedido do amigo Rubem Braga, um dos fundadores do jornal. Nesse setembro, já grávida, embarca para a capital americana onde permanecerá por oito anos. Clarice inicia o esboço do romance A veia no pulso, que viria a ser A Maçã no Escuro, livro publicado em 1961.
1953- Em 10 de fevereiro, nasce Paulo, seu segundo filho. Ela continua a escrever A Maçã no Escuro, em meio a conflitos domésticos e interiores. Mãe, Clarice Lispector divide seu tempo entre os filhos, A Maçã no Escuro, os contos deLaços de Família e a literatura infantil. Nos Estados Unidos, Clarice conhece o renomado escritor Erico Veríssimo e sua esposa Mafalda, dos quais torna-se grande amiga. O escritor gaúcho e sua esposa são escolhidos para padrinhos de Paulo. Não tem sucesso seu projeto de escrever uma crônica semanal para a revista "Manchete". Tem a agradável notícia de que seu romance Perto do coração selvagem seria traduzido para o francês.
1954
- É lançada a primeira edição francesa de Perto do coração selvagem, pela Editora Plon, com capa de Henri Matisse, após inúmeras reclamações da escritora sobre erros na tradução. Em julho, com os filhos, viaja para o Brasil, aqui ficando até setembro. De volta aos Estados Unidos, interrompe a elaboração de A maçã no escuro e se dedica, por cinco meses, a escrever seis contos encomendados por Simeão Leal.
1955- Retorna a escrever o novo romance e contos. Sabino, que leu os seis contos feitos sob encomenda, os acho "obras de arte".
1956- Termina de escrever A Maçã no Escuro (até então com o titulo de A veia no pulso). Érico Veríssimo e família retornam ao Brasil, não sem antes aceitarem serem os padrinhos de Pedro e Paulo. Entre os escritores, inicia-se uma vasta correspondência. A escritora e filhos vêm passar as férias no Brasil e Clariceaproveita para tentar a publicação de seu novo romance e os novos contos. Apesar de todo o empenho de Fernando Sabino e Rubem Braga, os livros não são editados. A escritora dá sinais de sua indisposição para com o tipo de vida que leva.
1957
- Rompe unilateralmente o contrato com Simeão Leal e autoriza Sabino e Braga a encaminharem seus contos — nessa altura em número de quinze — para serem publicados no "Suplemento Cultural" do jornal "O Estado de São Paulo". Seu casamento vive momentos de tensão.
1958
- Conhece e se torna amiga da pintora Maria Bonomi. É convidada a colaborar com a revista "Senhor", prevista para ser lançada no início do ano seguinte. Erico Verissimo escreve informando estar autorizado a editar seu romance e, também, seus contos pela Editora Globo, de Porto Alegre. 1.000 exemplares — dos mais de 1.700 remanescentes — de "Près du coeur sauvage" são incinerados, por falta de espaço de armazenamento. O casamento de Claricedá sinais de seu final.
1959- Separa-se do marido e, em julho, regressa ao Brasil com seus filhos. Seu livro continua inédito. A escritora resolve comprar o apartamento onde está residindo, no bairro do Leme, e, para isso, busca aumentar seus ganhos. Sob o pseudônimo de "Helen Palmer", inicia, em agosto, uma coluna no jornal "Correio da Manhã", intitulada "Correio feminino — Feira de utilidades".
1960- Publica, finalmente, Laços de Família, seu primeiro livro de contos, pela editora Francisco Alves. Começa a assinar a coluna "Só para Mulheres", como "ghost-writer" da atriz Ilka Soares, no "Diário da Noite", a convite do jornalista Alberto Dines. Assina, com a Francisco Alves, novo contrato para a publicação de A maçã no escuro. Torna-se amiga da escritora Nélida Piñon.
1961- Publica o romance A maçã no escuro. Recebe o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por Laços de família.1962
- Passa a assinar a coluna "Children's Corner", da seção "Sr. & Cia.", onde publica contos e crônicas. Visita, com os filhos, seu ex-marido que se encontra na Polônia. Recebe o prêmio Carmen Dolores Barbosa (oferecido pela senhora paulistana de mesmo nome), por A maçã no escuro, considerado o melhor livro do ano.
1963
- A convite, profere no XI Congresso Bienal do Instituto Internacional de Literatura Ibero-Americana, realizado em Austin - Texas, conferência sobre o tema "Literatura de vanguarda no Brasil. Conhece Gregory Rabassa, mais tarde tradutor para o inglês de A maçã no escuro. A paixão segundo G. H. é escrito em poucos meses, sendo entregue à Editora do Autor, de Sabino e Braga, para publicação. Compra um apartamento em construção no bairro do Leme.
1964- Publica o livro de contos A legião estrangeira e o romance A Paixão Segundo G. H., ambos pela Editora do Autor. Em dezembro, o juiz profere a sentença que poria fim ao processo de separação de Clarice e Maury.
1965
- Em maio, muda-se para o apartamento comprados em 1963. Sua obra passa a ser vista com outros olhos — pela crítica e pelo público leitor — após A paixão segundo G. H. Resultado de uma seleta de trechos de seus livros, adaptados por Fauzi Arap, é encenada no Teatro Maison de France o espetáculo Perto do coração selvagem, com José Wilker, Glauce Rocha e outros. Dedica-se à educação dos filhos e com a saúde de Pedro, que apresenta um quadro de esquizofrenia, exigindo cuidados especiais. Apesar de traduzida para diversos idiomas e da republicação de diversos livros, a situação financeira de Clarice é muito difícil.
1966
- Na madrugada de 14 de setembro a escritora dorme com um cigarro aceso , provocando um incêndio. Seu quarto ficou totalmente destruído. Com inúmeras queimaduras pelo corpo, passou três dias sob o risco de morte — e dois meses hospitalizada. Quase tem sua mão direita — a mais afetada — amputada pelos médicos. O acidente mudaria em definitivo a vida de Clarice.
1967- As inúmeras e profundas cicatrizes fazem com que a escritora caia em depressão, apesar de todo o apoio recebido de seus amigos. Não foi só um ano de acontecimentos ruins. Começa a publicar em agosto — a convite de Dines — crônicas no "Jornal do Brasil", trabalho que mantém por seis anos. Lança o livro infantil O mistério do coelho pensante, pela José Álvaro Editor. Em dezembro, passa a integrar o Conselho Consultivo do Instituto Nacional do Livro.
1968- Em maio, o livro O mistério do coelho pensante é agraciado com a "Ordem do Calunga", concedido pela Campanha Nacional da Criança. Entrevista personalidades para a revista "Manchete" na seção "Diálogos possíveis com Clarice Lispector". Participa da manifestação contra a ditadura militar, em junho, chamada "Passeata dos 100 mil". Morrem seus amigos e escritores Lúcio Cardoso e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta). É nomeada assistente de administração do Estado. Profere palestras na Universidade Federal de Minas Gerais e na Livraria do Estudante, em Belo Horizonte. Publica A mulher que matou os peixes, outro livro infantil, ilustrado por Carlos Scliar.
1969- Publica seu "hino ao amor": Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, pela Editora Sabiá. O romance ganha o prêmio "Golfinho de Ouro", do Museu da Imagem e do Som. Viaja à Bahia onde entrevista para a "Manchete" o escritor Jorge Amado e os artistas Mário Cravo e Genaro. Em 14/08 é aposentada pelo INPS - Instituto Nacional de Previdência Social. Seu filho Paulo, mora nos Estados Unidos desde janeiro, num programa de intercâmbio cultural. Seu irmão Pedro, em tratamento psiquiátrico, esteve internado por um mês, em junho.
1970- Começa a escrever um novo romance, com o título provisório de Atrás do pensamento: monólogo com a vida. Mais adiante, é chamado Objeto gritante.Foi lançado com o título definitivo de Água viva. Conhece Olga Borelli, de que se tornaria grande amiga.
1971- Publica a coletânea de contos Felicidade clandestina, volume que inclui O ovo e a galinha, escrito sob o impacto da morte do bandido Mineirinho, assassinado pela polícia com treze tiros, no Rio de Janeiro. Há, também, um conjunto de escritos em que rememora a infância em Recife. Encarrega o professor Alexandre Severino da tradução, para o inglês, de Atrás do pensamento: monólogo com a vida. Dez de seus contos já publicados constam de "Elenco de cronistas modernos", lançado pela Editora Sabiá.
1972
- Retoma a revisão de Atrás do pensamento, com o qual não estava satisfeita. Faz inúmeras alterações no texto e passa a chamá-lo Objeto gritante. Repensando o romance, procura distrair-se. Durante um mês posa para o pintor Carlos Scliar, em Cabo Frio (RJ).
1973- Publica o romance Água viva, após três anos de elaboração, pela Editora Artenova, que lançaria também, nesse ano, A imitação da rosa, quinze contos já publicados anteriormente em outras coletâneas. Alberto Dines, em carta à escritora, diz sobre Água viva: "[...] É menos um livro-carta e, muito mais, um livro música. Acho que você escreveu uma sinfonia". Viaja à Europa com a amiga Olga Borelli. Clarice deixa de colaborar com o "Jornal do Brasil", face à demissão de Alberto Dines, no mês de dezembro.
1974- Para manter seu nível de renda, aumenta sua atividade como tradutora. Verte, entre outros, "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, adaptado para o público juvenil, pela Ediouro. Publica, pela José Olympio Editora, outro livro infantil, A vida íntima de Laura e dois livros de contos, pela Artenova: A via crucis do corpo e Onde estivestes de noite. Uma curiosidade: a primeira edição de Onde estivestes de noite foi recolhida porque foi colocado, erroneamente, um ponto de interrogação no título. Seu cão, Ulisses, lhe morde o rosto, fazendo com que se submeta a cirurgia plástica reparadora reparadora realizada por seu amigo Dr. Ivo Pitanguy. Lê, em Brasília (DF), a convite da Fundação Cultural do Distrito Federal, a conferência "Literatura de vanguarda no Brasil", que já apresentara no Texas. Participa, em Cali — Colômbia, do IV Congresso da Nova Narrativa Hispano-americana. Seu filho, Paulo, vai morar sozinho, em um apartamento próximo ao da escritora. Pedro vai morar com o pai, em Montevidéu — Uruguai.
1975- Tendo como companheira de viagem a amiga Olga Borelli, participa do I Congresso Mundial de Bruxaria, em Bogotá, Colômbia. No dia de sua apresentação sente-se indisposta e pede a alguém que leia o conto O ovo e a galinha, não apresentando a fala sobre a magia que havia preparado para a introdução da leitura. Muito embora minimizada, essa participação tem muito a ver com as palavras ditas por Otto Lara Resende, conhecido escritor, em um bate-papo com José Castello: "Você deve tomar cuidado com Clarice. Não se trata de literatura, mas de bruxaria." Otto se baseava em estudos feitos por Claire Varin, professora de literatura canadense que escreveu dois livros sobre a biografada. Segundo ela, só é possível ler Clarice tomando seu lugar —sendo Clarice. "Não há outro caminho", ela garante. Para corroborar sua tese, Claire cita um trecho da crônica A descoberta do mundo, onde a escritora diz: "O personagem leitor é um personagem curioso, estranho. Ao mesmo tempo que inteiramente individual e com reações próprias, é tão terrivelmente ligado ao escritor que na verdade ele, o leitor, é o escritor." Traduz romances, como "Luzes acesas", de Bella Chagall, "A rendeira", de Pascal Lainé, e livros policiais de Agatha Christie. Ao longo da década, faz adaptações de obras de Julio Verne, Edgar Allan Poe, Walter Scott e Jack London e Ibsen. Lança Visão do esplendor, com trabalhos já publicados na coluna "Children's Corner", da revista "Senhor" e também no "Jornal do Brasil". Publica De corpo inteiro, com algumas entrevistas que fizera anteriormente para revistas cariocas. É muito elogiada quando visita Belo Horizonte, fato que a deixa contrariada. Passa a dedicar-se à pintura. Morre, dia 28 de novembro, seu grande amigo e compadre Erico Verissimo. Reúne trabalhos de Andréa Azulay num volume artesanal ilustrado por Sérgio Mata, intitulado "Meus primeiros contos". Andréa tinha, então, dez anos de idade.
1976- Seu filho Paulo casa-se com Ilana Kauffmann. Participa, em Buenos Aires, Argentina, da Segunda Exposición — Feria Internacional del Autor al Lector, onde recebe muitas homenagens. É agraciada, em abril, com o prêmio concedido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, pelo conjunto de sua obra. Grava depoimento no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, em outubro, conduzido por Affonso Romano de Sant'Anna, Marina Colasanti e por João Salgueiro, diretor do MIS. Em maio, corre o boato de que a escritora não mais receberia jornalistas. José Castello, biógrafo e escritor, nessa época trabalhando no jornal "O Globo", mesmo assim telefona e consegue marcar um encontro. Após muitas idas e vindas é recebido. Trava então o seguinte diálogo com Clarice:
J.C. "— Por que você escreve?
C.L. "— Vou lhe responder com outra pergunta: — Por que você bebe água?"
J.C. "— Por que bebo água? Porque tenho sede."
C.L. "— Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."
Enquanto escreve A hora da estrela com a a ajuda da amiga Olga, toma notas para o novo romance, Um sopro de vida. Revê Recife e visita parentes. Em dezembro, "Fatos e Fotos Gente", revista do grupo "Manchete", publica entrevista feita com a artista Elke Maravilha, a primeira de uma série que se estenderia até outubro de 1977.
1977- A revista "Fatos e Fotos Gente" publica, em janeiro, entrevista feita pela escritora com Mário Soares, primeiro-ministro de Portugal. O jornal "Última Hora" passa a publicar, a partir de fevereiro, semanalmente, as suas crônicas. Ainda nesse mês, é entrevistada pelo jornalista Júlio Lerner para o programa "Panorama Especial", TV Cultura de São Paulo, com o compromisso de só ser transmitida após a sua morte. Escreve um livro para crianças, que seria publicado em 1978, sob o título Quase de verdade. Escreve, ainda, doze histórias infantis para o calendário de 1978 da fábrica de brinquedos "Estrela", intitulado Como nasceram as estrelas. Vai à França e retorna inesperadamente. Publica A hora da estrela, pela José Olympio, com introdução — "O grito do silêncio" — de Eduardo Portella. Esse livro seria adaptado para o cinema, em 1985, por Suzana Amaral. A editora Ática lança nova edição de A legião estrangeira, com prefácio de Affonso Romano de Sant'Anna. Claricemorre, no Rio, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu 57° aniversário vitimada por uma súbita obstrução intestinal, de origem desconhecida que, depois, veio-se a saber, ter sido motivada por um adenocarcinoma de ovário irreversível. O enterro aconteceu no Cemitério Comunal Israelita, no bairro do Caju, no dia 11. Vai ao ar, pela TV Cultura, no dia 28/12, a entrevista gravada em fevereiro desse ano.
1978- Três livros póstumos são publicados: o romance Um sopro de vida — Pulsações, pela Nova Fronteira, a partir de fragmentos em parte reunidos por Olga Borelli; o de crônicas Para não esquecer, e o infantil, Quase de verdade,em volume autônomo, pela Ática. Para não esquecer é composto de crônicas que haviam sido publicadas na segunda parte do livro A legião estrangeira, em 1964, que compunham a seção "Fundo de Gaveta" do citado livro. A hora da estrela é agraciada com o prêmio Jabuti de "Melhor Romance". A paixão sendo G. H. é publicada na França, com tradução de Claude Farny.
1979- É publicado A bela e a fera, pela Nova Fronteira, contendo contos publicados esparsamente em jornais e revistas. Estréia, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, Um sopro de vida, baseado em livro de mesmo nome, com adaptação de Marilena Ansaldi e direção de José Possi Neto.
1981- "Clarice Lispector — Esboço para um retrato", de Olga Borelli, é lançado pela Nova Fronteira.
1984
- Reunindo a quase totalidade de crônicas publicadas no Jornal do Brasil, no período de 1967 a 1973, é lançado "A descoberta do mundo", organização de Paulo Gurgel Valente, filho da autora. A Éditions des Femmes, da França, lança, em sua coleção "La Bibliotèque des voix", fita cassete com trechos deLa passion selon G. H., lidos pela atríz Anouk Aimée.
1985- A hora da estrela recebe dois prêmios na 36ª edição do Festival de Berlim: da Confederação Internacional de Cineclubes — Cicae, e da Organização Católica Internacional do Cinema e do Audiovisual — Ocic. O longa-metragem de mesmo nome, dirigido por Suzana Amaral, com roteiro de Alfredo Oros também é premiado: Marcélia Cartaxo recebe o Urso de Prata de "Melhor Atriz".
Outros acontecimentos
Os 10 anos da morte da escritora são lembrados com diversas homenagens em sua memória. É aberto ao público o conjunto de documentos que viria a constituir o Arquivo Clarice Lispector do Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa - FCRB, no Rio de Janeiro, constituído de documentos doados por Paulo Gurgel Valente.
Em 1990, a Francisco Alves Editora inicia a reedição da obra da escritora. A paixão segundo G. H. é encenada na capital francesa, no teatro Gérard Philippe, em montagem de Alain Neddam. Diane E. Marting, em 1993, publica "Clarice Lispector. A Bio-Bibliography", pela Westport: Greenwood Press, nos Estados Unidos. Em 1996, é lançada a antologia "Os melhores contos de Clarice Lispector", pela editora Global.
Estréia no Rio de Janeiro "Clarice — Coração selvagem", adaptado e dirigido por Maria Lúcia Lima, com Aracy Balabanian, em 1998.
No ano seguinte, "Que mistérios tem Clarice", adaptado por Luiz Arthur Nunes e Mário Piragibe estréia no teatro N. E. X. T.
Fernando Sabino, em 2001, organiza e publica, pela Record, "Cartas perto do coração", contendo correspondência que manteve com a escritora de 1946 a 1969.
A editora Rocco lança, em 2002, "Correspondências — Clarice Lispector", antologia de cartas de e para a escritora, seleção de Teresa Montero.
No aniversário de Clarice, 10/12/2002, a Embaixada do Brasil na Ucrânia e a Prefeitura de Tchetchelnik se associam em homenagem à memória da escritora, inaugurando uma placa com dados biográficos gravados em russo e em português, que é afixada na entrada da sede da administração municipal.
Em 2004, os manuscritos de A hora da estrela e parte dos livros que pertenciam à biblioteca pessoal de Clarice Lispector são confiadas por Paulo Gurgel Valente à guarda do Instituto Moreira Salles, que lança, em dezembro, edição especial dos "Cadernos de Literatura Brasileira", dedicada à vida e à obra da autora.
Em artigo publicado no jornal "The New York Times", no dia 11/03/2005, a escritora foi descrita como o equivalente de Kafka na literatura latino-americana. A afirmação foi feita por Gregory Rabassa, tradutor para o inglês de Jorge Amado, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e de Clarice. No dia 13/01, foi discutido o viés judaico na obra da autora no Centro de História Judaica em Nova York.
O Consulado-Geral do Brasil em Córdoba - Argentina, participou, em 2007, de homenagem, dos alunos do 6º ano do nível médio, à escritora Clarice Lispector. O fato mereceu destaque na página de divulgação de eventos culturais do Ministério das Relações Exteriores. Naquela cidade encontram-se 47 escolas que ensinam a Língua Portuguesa e aspectos da cultura e literatura brasileira. O Consulado-Geral também conta com uma pequena biblioteca, que atende ao público interessado nesses assuntos, embora não haja ali nenhuma obra da citada escritora. No entanto, têm sido publicadas, nos últimos tempos, notas sobre a vida e a obra de Clarice Lispector, na imprensa local.
Dados obtidos em livros da autora, sites da Internet, nos Cadernos de Literatura Brasileira - Instituto Moreira Salles, no "Inventário das Sombras" de José Castello e fornecidos por João Pires, amigo do Releituras.
Lygia Fagundes Telles
Escritora brasileira
Biografia de Lygia Fagundes Telles:
Lygia Fagundes Telles (1923) é escritora brasileira. Romancista e contista, é a grande representante do pós-modernismo. É membro da Academia Paulista de Letras, da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa. O estilo de Lygia Fagundes Telles é caracterizado por representar o universo urbano e por explorar de forma intimista, a psicologia feminina.
Lygia Fagundes Telles (1923) nasceu em São Paulo, no dia 19 de abril de 1923. Filha de Durval de Azevedo Fagundes, advogado, passou sua infância em várias cidades do interior, onde seu pai era promotor. Sua mãe, Maria do Rosário Silva Jardim de Moura era pianista. Seu interesse por literatura começou na adolescência. Com 15 anos publicou seu primeiro livro, "Porão e Sobrado". Formou-se me Direito e Educação Física, na Universidade de São Paulo porém, seu interesse maior era mesmo a literatura.
Sua estréia oficial na literatura deu-se em 1944, com o volume de contos "Praia Viva". Casou-se com o jurista Goffredo Telles Júnior, com quem teve um filho. Divorciada, casa-se com o ensaísta e crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes. Em 1982 foi eleita para a Academia Paulista de Letras. Em 1985, tornou-se a terceira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras. Em 1987 é eleita para a Academia das Ciências de Lisboa.
Entre os muitos prêmios que recebeu, destacam-se o Prêmio Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, em 1949; o Prêmio do Instituto Nacional do Livro, em 1958; o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, por "Verão no Aquário", em 1965; o Prêmio Coelho Neto da Academia Brasileira de Letras, em 1973; o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do livro, com a obra "As Meninas", em 1974; o Prêmio Jabuti com a obra "Invenção e Memória", em 2001; e o Prêmio Camões recebido no dia 13 de outubro de 2005, em Porto, Portugal.
Obras de Lygia Fagundes Telles
Porão e Sobrado, contos, 1938
Praia Viva, contos, 1944
O Cacto Vermelho, contos, 1949
Ciranda de Pedra, romance, 1954
Histórias do Desencontro, contos, 1958
Verão no Aquário, romance, 1964
Histórias Escolhidas, contos, 1964
O Jardim Selvagem, contos, 1965
Antes do Baile Verde, contos, 1970
As Meninas, romance, 1973
Seminário dos Ratos, contos, 1977
Filhos Prodígios, contos, 1978
A Disciplina do Amor, contos, 1980
Mistérios, contos, 1981
Venha Ver o Por do Sol e Outros Contos, 1987
As Horas Nuas, romance, 1989
A Noite Escura e Mais Eu, contos, 1995
Biruta, contos, 2004
Histórias de Mistérios, contos, 2004
Conspiração de Nuvens, contos, 2007
Passaporte para a China, contos, 2011
Praia Viva, contos, 1944
O Cacto Vermelho, contos, 1949
Ciranda de Pedra, romance, 1954
Histórias do Desencontro, contos, 1958
Verão no Aquário, romance, 1964
Histórias Escolhidas, contos, 1964
O Jardim Selvagem, contos, 1965
Antes do Baile Verde, contos, 1970
As Meninas, romance, 1973
Seminário dos Ratos, contos, 1977
Filhos Prodígios, contos, 1978
A Disciplina do Amor, contos, 1980
Mistérios, contos, 1981
Venha Ver o Por do Sol e Outros Contos, 1987
As Horas Nuas, romance, 1989
A Noite Escura e Mais Eu, contos, 1995
Biruta, contos, 2004
Histórias de Mistérios, contos, 2004
Conspiração de Nuvens, contos, 2007
Passaporte para a China, contos, 2011
João Guimarães Rosa
"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (MG) a 27 de junho de 1908 e era o primeiro dos seis filhos de D. Francisca (Chiquitinha) Guimarães Rosa e de Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por "seu Fulô" comerciante, juiz-de-paz, caçador de onças e contador de estórias.
Joãozito, como era chamado, com menos de 7 anos começou a estudar francês sozinho, por conta própria. Somente com a chegada do Frei Canísio Zoetmulder, frade franciscano holandês, em março de 1917, pode iniciar-se no holandês e prosseguir os estudos de francês, agora sob a supervisão daquele frade.
Terminou o curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena; em Belo Horizonte, para onde se mudara, antes dos 9 anos, para morar com os avós. Em Cordisburgo fora aluno da Escola Mestre Candinho. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del Rei, onde permaneceu por pouco tempo, em regime de internato, visto não ter conseguido adaptar-se — não suportava a comida.
De volta a Belo Horizonte matricula-se no Colégio Arnaldo, de padres alemães e, imediatamente, iniciou o estudo do alemão, que aprendeu em pouco tempo. Era um poliglota, conforme um dia disse a uma prima, estudante, que fora entrevistá-lo:
Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.
Em 1925, matricula-se na então denominada Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, com apenas 16 anos. Segundo um colega de turma, Dr. Ismael de Faria, no velório de um estudante vitimado pela febre amarela, em 1926, teria Guimarães Rosa dito a famosa frase: "As pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria repetida 41 anos depois por ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Sua estréia nas letras se deu em 1929, ainda como estudante. Escreveu quatro contos: Caçador de camurças, Chronos Kai Anagke (título grego, significando Tempo e Destino), O mistério de Highmore Hall e Makiné para um concurso promovido pela revista O Cruzeiro. Todos os contos foram premiados e publicados com ilustrações em 1929-1930, alcançando o autor seu objetivo, que era o de ganhar a recompensa nada desprezível de cem contos de réis. Chegou a confessar, depois, que nessa época escrevia friamente, sem paixão, preso a modelos alheios.
Em 27 de junho de 1930, ao completar 22 anos, casa-se com Lígia Cabral Penna, então com apenas 16 anos, que lhe dá duas filhas: Vilma e Agnes. Dura pouco seu primeiro casamento, desfazendo-se uns poucos anos depois. Ainda em 1930, forma-se em Medicina, tendo sido o orador da turma, escolhido por aclamação pelos 35 colegas.
Guimarães Rosa vai exercer a profissão em Itaguara, pequena cidade que pertencia ao município de Itaúna (MG), onde permanece cerca de dois anos. Relaciona-se com a comunidade, até mesmo com raizeiros e receitadores, reconhecendo sua importância no atendimento aos pobres e marginalizados, a ponto de se tornar grande amigo de um deles, de nome Manoel Rodrigues de Carvalho, mais conhecido por "seu Nequinha", que morava num grotão enfurnado entre morros, num lugar conhecido por Sarandi.
Espírita, "Seu Nequinha" parece ter sido o inspirador da figura do Compadre meu Quelemém, espécie de oráculo sertanejo, personagem de Grande Sertão: Veredas.
Diante de sua incapacidade de por fim às dores e aos males do mundo numa cidade que não tinha nem energia elétrica, segundo depoimento de sua filha Vilma, o autor, sensível como era, acaba por afastar-se da Medicina. Contribuiu também para isso o fato de o escritor ter que assistir o parto de sua mulher, pois o farmacêutico e o médico da cidade vizinha de Itaúna só terem chegado quando Vilma já havia nascido.
Guimarães Rosa, durante a Revolução Constitucionalista de 1932, trabalha como voluntário na Força Pública. Posteriormente, efetiva-se, por concurso. Em 1933, vai para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Segundo depoimento de Mário Palmério, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, o quartel pouco exigia de Guimarães Rosa – "quase que somente a revista médica rotineira, sem mais as dificultosas viagens a cavalo que eram o pão nosso da clínica em Itaguara, e solenidade ou outra, em dia cívico, quando o escolhiam para orador da corporação". Assim, sobrava-lhe tempo para dedicar-se com maior afinco ao estudo de idiomas estrangeiros; ademais, no convívio com velhos milicianos e nas demoradas pesquisas que fazia nos arquivos do quartel, o escritor teria obtido valiosas informações sobre o jaguncismo barranqueiro que até por volta de 1930 existiu na região do Rio São Francisco.
Um amigo do escritor, impressionado com sua cultura e erudição, e, particularmente, com seu notável conhecimento de línguas estrangeiras, lembrou-lhe a possibilidade de prestar concurso para o Itamarati, conseguindo entusiasmá-lo. O então Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria, após alguns preparativos, seguiu para o Rio de Janeiro onde prestou concurso para o Ministério do Exterior, obtendo o segundo lugar. Por essa ocasião, aliás, já era por demais evidente sua falta de "vocação" para o exercício da Medicina, conforme ele próprio confidenciou a seu colega Dr. Pedro Moreira Barbosa, em carta datada de 20 de março de 1934:
Não nasci para isso, penso. Não é esta, digo como dizia Don Juan, sempre 'après avoir couché avec...’ Primeiramente, repugna-me qualquer trabalho material só posso agir satisfeito no terreno das teorias, dos textos, do raciocínio puro, dos subjetivismos. Sou um jogador de xadrez nunca pude, por exemplo, com o bilhar ou com o futebol.
Antes que os anos 30 terminem, ele participa de outros dois concursos literários. Em 1936, a coletânea de poemas Magma recebe o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Um ano depois, sob o pseudônimo de "Viator", concorre ao prêmio HUMBERTO DE CAMPOS, com o volume intitulado Contos, que em 46, após uma revisão do autor, se transformaria em Sagarana, obra que lhe rendeu vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes livros surgidos no Brasil contemporâneo. Os contos de Sagaranaapresentam a paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, a vida das fazendas, dos vaqueiros e criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua infância e adolescência. Neste livro, o autor já transpõe a linguagem rica e pitoresca do povo, registra regionalismos, muitos deles jamais escritos na literatura brasileira.
Em 1938, Guimarães Rosa é nomeado Cônsul Adjunto em Hamburgo, e segue para a Europa; lá fica conhecendo Aracy Moebius de Carvalho (Ara), que viria a ser sua segunda mulher. Durante a guerra, por várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou escombros. A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda a vida. Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feiticeiros, a umbanda, a quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades possuíam fluidos positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum tipo de mal estar.
Embora consciente dos perigos que enfrentava, protegeu e facilitou a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo; nessa empresa, contou com a ajuda da mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e sua mulher foram homenageados em Israel, em abril de 1985, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros: o nome do casal foi dado a um bosque que fica ao longo das encostas que dão acesso a Jerusalém.
Foi a forma encontrada pelo governo israelense para expressar sua gratidão àqueles que se arriscaram para salvar judeus perseguidos pelo Nazismo por ocasião da 2ª Guerra Mundial. Segundo D. Aracy, que compareceu a Israel por ocasião da homenagem, seu marido sempre se absteve de comentar o assunto já que tinha muito pudor de falar de si mesmo. Apenas dizia: "Se eu não lhes der o visto, vão acabar morrendo; e aí vou ter um peso em minha consciência."
Em 1942, quando o Brasil rompe com a Alemanha, Guimarães Rosa é internado em Baden-Baden, juntamente com outros compatriotas, entre os quais se encontrava o pintor pernambucano Cícero Dias, Ficam retidos durante 4 meses e são libertados em troca de diplomatas alemães. Retornando ao Brasil, após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, o escritor segue para Bogotá, como Secretário da Embaixada, lá permanecendo até 1944. Sua estada na capital colombiana, fundada em 1538 e situada a uma altitude de 2.600 m, inspirou-lhe o conto Páramo, de cunho autobiográfico, que faz parte do livro póstumo Estas Estórias. O conto se refere à experiência de "morte parcial" vivida pelo protagonista (provavelmente o próprio autor), experiência essa induzida pela solidão, pela saudade dos seus, pelo frio, pela umidade e particularmente pela asfixia resultante da rarefação do ar (soroche – o mal das alturas).
Em dezembro de 1945 o escritor retornou ao Brasil depois de longa ausência. Dirigiu-se, inicialmente, à Fazenda Três Barras, em Paraopeba, berço da família Guimarães, então pertencente a seu amigo Dr. Pedro Barbosa e, depois, a cavalo, rumou para Cordisburgo, onde se hospedou no tradicional Argentina Hotel, mais conhecido por Hotel da Nhatina.
Em 1946, Guimarães Rosa é nomeado chefe-de-gabinete do ministro João Neves da Fontoura e vai a Paris como membro da delegação à Conferência de Paz.
Em 1948, o escritor está novamente em Bogotá como Secretário-Geral da delegação brasileira à IX Conferência Inter-Americana; durante a realização do evento ocorre o assassinato político do prestigioso líder popular Jorge Eliécer Gaitán, fundador do partido Unión Nacional Izquierdista Revolucionaria, de curta mas decisiva duração.
De 1948 a 1950, o escritor encontra-se de novo em Paris, respectivamente como 1º Secretário e Conselheiro da Embaixada. Em 1951 é novamente nomeado Chefe de Gabinete de João Neves da Fontoura. Em 1953 torna-se Chefe da Divisão de Orçamento e em 1958 é promovido a Ministro de Primeira Classe (cargo correspondente a Embaixador).
Guimarães Rosa retorna ao Brasil em 1951. No ano seguinte, faz uma excursão ao Mato Grosso. O resultado é uma reportagem poética: Com o vaqueiro Mariano. Segundo depoimento do próprio Manuel Narde, vulgo Manuelzão, falecido em 5 de maio de 1997, protagonista da novela Uma estória de amor, incluída no volume Manuelzão e Miguilim, durante os dias que passou no sertão, Guimarães Rosa pedia notícia de tudo e tudo anotava "ele perguntava mais que padre" –, tendo consumido "mais de 50 cadernos de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a flora, a fauna e a gente sertaneja usos, costumes, crenças, linguagem, superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias...
Em ensaio crítico sobre Corpo de Baile, o professor Ivan Teixeira afirma que o livro talvez seja o mais enigmático da literatura brasileira. As novelas que o compõem formam um sofisticado conjunto de logogrifos, em que a charada é alçada à condição de revelação poética ou experimento metafísico. Na abertura do livro, intitulada Campo Geral, Guimarães Rosa se detém na investigação da intimidade de uma família isolada no sertão, destacando-se a figura do menino Miguelim e o seu desajuste em relação ao grupo familiar.Campo Geral surge como uma fábula do despertar do autoconhecimento e da apreensão do mundo exterior; e o conjunto das novelas surge como passeio cósmico pela geografia rosiana, que retoma a idéia básica de toda a obra do escritor: o universo está no sertão, e os homens são influenciados pelos astros.
Em 1956, no mês de janeiro, reaparece no mercado editorial com as novelasCorpo de Baile, onde continua a experiência iniciada em Sagarana. A partir de o Corpo de Baile, a obra de Rosa - autor reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro - adquire dimensões universalistas, cuja cristalização artística é atingida em Grande Sertão: Veredas, lançado em maio de 56. O terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica que se estende por 600 páginas, focaliza numa nova dimensão, o ambiente e a gente rude do sertão mineiro. Grande Sertão: Veredas reflete um autor de extraordinária capacidade de transmissão do seu mundo, e foi resultado de um período de dois anos de gestação e parto. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da narrativa. Para Renard Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães Rosa, emGrande Sertão: Veredas, além da técnica e da linguagem surpreendentes, deve-se destacar o poder de criação do romancista, e sua aguda análise dos conflitos psicológicos presentes na história.
O lançamento de Grande Sertão: Veredas causa grande impacto no cenário literário brasileiro. O livro é traduzido para diversas línguas e seu sucesso deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica e público dividem-se entre louvores apaixonados e ataques ferozes. Torna-se um sucesso comercial, além de receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o Paula Brito, do Rio de Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa seja considerado uma figura singular no panorama da literatura moderna, tornando-se um "caso" nacional. Ele encabeça a lista tríplice, composta ainda por Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, como os melhores romancistas da terceira geração modernista brasileira.
Ainda que não publicasse nada até 1962, o interesse e o respeito pela obra rosiana só aumentavam, em relação à crítica e ao público. Unanimidade, o escritor recebe, em 1961, o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. Ele começa a obter reconhecimento no exterior.
Em janeiro de 1962, assume a chefia do Serviço de Demarcação de Fronteiras, cargo que exerceria com especial empenho, tendo tomado parte ativa em momentosos casos como os do Pico da Neblina (1965) e das Sete Quedas (1966). Em 1969, em homenagem ao seu desempenho como diplomata, seu nome é dado ao pico culminante (2.150 m) da Cordilheira Curupira, situado na fronteira Brasil/Venezuela. O nome de Guimarães Rosa foi sugerido pelo Chanceler Mário Gibson Barbosa, como um reconhecimento do Itamarati àquele que, durante vários anos, foi o chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras da Chancelaria Brasileira.
Em 1958, no começo de junho, Guimarães Rosa viaja para Brasília, e escreve para os pais:
Em começo de junho estive em Brasília, pela segunda vez lá passei uns dias. O clima da nova capital é simplesmente delicioso, tanto no inverno quanto no verão. E os trabalhos de construção se adiantam num ritmo e entusiasmo inacreditáveis: parece coisa de russos ou de norte-americanos"... "Mas eu acordava cada manhã para assistir ao nascer do sol e ver um enorme tucano colorido, belíssimo, que vinha, pelo relógio, às 6 hs 15’, comer frutinhas, na copa da alta árvore pegada à casa, uma tucaneira’, como por lá dizem. As chegadas e saídas desse tucano foram uma das cenas mais bonitas e inesquecíveis de minha vida.
A partir de 1958, o autor começa a apresentar problemas de saúde e estes seriam, na verdade, o prenúncio do fim próximo, tanto mais quanto, além da hipertensão arterial, o paciente reunia outros fatores de risco cardiovascular como excesso de peso, vida sedentária e, particularmente, o tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora afirme ter abandonado o hábito, em carta dirigida ao amigo Paulo Dantas em dezembro de 1957, na foto tirada em 1966, quando recebia do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência, aparece com um cigarro na mão esquerda. A propósito, na referida carta, o escritor chega mesmo a admitir, explicitamente, sua dependência da nicotina:
... também estive mesmo doente, com apertos de alergia nas vias respiratórias; daí, tive de deixar de fumar (coisa tenebrosa!) e, até hoje (cabo de 34 dias!), a falta de fumar me bota vazio, vago, incapaz de escrever cartas, só no inerte letargo árido dessas fases de desintoxicação. Oh coisa feroz. Enfim, hoje, por causa do Natal chegando e de mais mil-e-tantos motivos, aqui estou eu, heróico e pujante, desafiando a fome-e-sede tabágica das pobrezinhas das células cerebrais. Não repare.
É importante frisar também que, coincidindo com os distúrbios cardiovasculares que se evidenciaram a partir de 1958, Guimarães Rosa parece ter acrescentado a suas leituras espirituais publicações e textos relativos à Ciência Cristã (Christian Science), religião cristã criada nos Estados Unidos em 1866 por Mrs. Mary Baker Eddy e que afirma a primazia do espírito sobre a matéria – "... the allness of Spirit and the nothingness of matter", a qual habilita compreender a nulidade do pecado, dos sentimentos negativos em geral, da doença e da morte, diante da totalidade do Espírito.
Em 1962, é lançado Primeiras Estórias, livro que reúne 21 contos pequenos. Nos textos, as pesquisas formais características do autor, uma extrema delicadeza e o que a crítica considera "atordoante poesia".
Em maio de 1963, Guimarães Rosa candidata-se pela segunda vez à Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957, quando obtivera apenas 10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A eleição dá-se a 8 de agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Mas não é marcada a data da posse, adiada sine die, somente acontecendo quatro anos depois, no dia 16 de novembro de 1967.
Em janeiro de 1965, participa do Congresso de Escritores Latino-Americanos, em Gênova. Como resultado do congresso ficou constituída a Primeira Sociedade de Escritores Latino-Americanos, da qual o próprio Guimarães Rosa e o guatemalteco Miguel Angel Asturias (que em 1967 receberia o Prêmio Nobel de Literatura) foram eleitos vice-presidentes.
Em abril de 1967, Guimarães Rosa vai ao México na qualidade de representante do Brasil no I Congresso Latino-Americano de Escritores, no qual atua como vice-presidente. Na volta é convidado a fazer parte, juntamente com Jorge Amado e Antônio Olinto, do júri do II Concurso Nacional de Romance Walmap que, pelo valor material do prêmio, é o mais importante do país.
No meio do ano, publica seu último livro, também uma coletânea de contos,Tutaméia. Nova efervescência no meio literário, novo êxito de público.Tutaméia, obra aparentemente hermética, divide a crítica. Uns vêem o livro como "a bomba atômica da literatura brasileira"; outros consideram que em suas páginas encontra-se a "chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação".
Três dias antes da morte o autor decidiu, depois de quatro anos de adiamento, assumir a cadeira na Academia Brasileira de Letras. Os quatro anos de adiamento eram reflexo do medo que sentia da emoção que o momento lhe causaria. Ainda que risse do pressentimento, afirmou no discurso de posse: "...a gente morre é para provar que viveu."
O escritor faz seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras com a voz embargada. Parece pressentir que algo de mal lhe aconteceria. Com efeito, três dias após a posse, em 19 de novembro de 1967, ele morreria subitamente em seu apartamento em Copacabana, sozinho (a esposa fora à missa), mal tendo tempo de chamar por socorro.
Em 1967, João Guimarães Rosa seria indicado para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor. A obra do brasileiro havia alcançado esferas talvez até hoje desconhecidas. Quando morreu tinha 59 anos. Tinha-se dedicado à medicina, à diplomacia, e, fundamentalmente às suas crenças, descritas em sua obra literária. Fenômeno da literatura brasileira,Rosa começou a publicar aos 38 anos. O autor, com seus experimentoslingüísticos, sua técnica, seu mundo ficcional, renovou o romance brasileiro, concedendo-lhe caminhos até então inéditos. Sua obra se impôs não apenas no Brasil, mas alcançou o mundo.
BIBLIOGRAFIA:
- Magma (1936), poemas. Não chegou a publicá-los.
- Sagarana (1946), contos e novelas regionalistas. Livro de estréia.
- Com o vaqueiro Mariano (1947)
- Corpo de Baile (1956), novelas. (Atualmente publicado em três partes:
- Manuelzão e Miguilim,
- No Urubuquaquá, no Pinhém e
- Noites do sertão.)
- Manuelzão e Miguilim,
- No Urubuquaquá, no Pinhém e
- Noites do sertão.)
- Grande Sertão: Veredas (1956), romance.
- Primeiras estórias (1962), contos.
- Tutaméia:Terceiras estórias (1967), contos.
- Estas estórias (1969), contos. Obra póstuma.
- Ave, palavra (1970) diversos. Obra póstuma.
Colaborações em jornais e revistas:- Colaborou no suplemento "Letras e Artes" de A Manhã (1953-54), em O Globo (1961) e na revista Pulso (1965-66), divulgando contos e poemas.
Bibliografia sobre o Autor:
Bosi, Alfredo (org.). O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1994.
Faraco, C.E. & Moura, F.M. Língua e literatura.. São Paulo: Ática, 1996. v.3.
Holzemayr, Rosenfield Kathrin. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Ática, 1996. (Roteiro de Leitura).
Macedo, Tânia. Guimarãres Rosa. São Paulo: Ática, 1996. (Ponto por Ponto).
Perez, Renard. Em Memória de João Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
Rosa, Vilma Guimarães. Relembramentos, Guimarães Rosa, meu pai. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.
Santo, Wendel. A construção do romance em Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1996.
Sperber, Suzi Frankl. Guimarães Rosa: signo e sentimento. São Paulo: Ática, 1996. (Ensaio).
Zilberman, R. A Leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1989.
Acervo:
- Os arquivos do autor, abrangendo o período de 1908 a 1971, com aproximadamente 12.000 documentos, foram adquiridos pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).
Homenagem ao Autor:
Museu Guimarães Rosa
Av. Padre João, 744
Cordisburgo - MG - Brasil
Fone: (0 XX 31) 715-1378
Agendar visitas: 3ª a dom., das 8h40min às 17h.
Cordisburgo - MG - Brasil
Fone: (0 XX 31) 715-1378
Agendar visitas: 3ª a dom., das 8h40min às 17h.
Versões:
1961/1967 - Publicação de "Buriti" ("Corpo de Baile", 1ª parte), "Les Nuits du Sertão" ("Corpo de Baile", 2ª parte), "Primeiras Estórias", pela Édition du Seuil; "Diadorim", pela Éditions Albin Michel, Paris - França.
Adaptações:
1969 - Publicação do livro "A João Guimarães Rosa" - (Gráficos Brunner), ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat, com trechos de "Grande Sertão: Veredas". Curta de 09 minutos - Filmoteca da ECA / USP, direção de Roberto Santos - São Paulo (SP).
1975 - Adaptação dos contos "Corpo Fechado" (do livro "Sagarana"), direção de Lima Duarte, e "Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha" (do livro "Primeiras Estórias"), direção de Kiko Jaess, para o programa Teatro 2, da TV Cultura - São Paulo (SP)
1975 - Adaptação do conto "Sarapalha" (do livro "Sagarana"), direção de Roberto Santos, para Caso Especial, da Rede Globo - Rio de Janeiro (RJ).
1984 - Adaptação de "Noites do Sertão", direção de Carlos Alberto Prates Corrêa - Rio de Janeiro (RJ).
1985 - Adaptação de "Grande Sertão: Veredas" para minissérie da Rede Globo, direção de Walter Avancini - Rio de Janeiro (RJ).
1994 - Rio de Janeiro RJ - Adaptação para o teatro de "Grande Sertão: Veredas", direção de Regina Bertola, no Centro Cultural Banco do Brasil
1994 - Filme "A Terceira Margem do Rio", direção e roteiro de Nelson Pereira dos Santos, baseado em cinco contos do livro "Primeiras Estórias": "A Terceira Margem do Rio", "A Menina de Lá", "Os Irmãos Dagobé", "Seqüência" e "Fatalidade" - Rio de Janeiro (RJ).
1969 - Publicação do livro "A João Guimarães Rosa" - (Gráficos Brunner), ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat, com trechos de "Grande Sertão: Veredas". Curta de 09 minutos - Filmoteca da ECA / USP, direção de Roberto Santos - São Paulo (SP).
1975 - Adaptação dos contos "Corpo Fechado" (do livro "Sagarana"), direção de Lima Duarte, e "Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha" (do livro "Primeiras Estórias"), direção de Kiko Jaess, para o programa Teatro 2, da TV Cultura - São Paulo (SP)
1975 - Adaptação do conto "Sarapalha" (do livro "Sagarana"), direção de Roberto Santos, para Caso Especial, da Rede Globo - Rio de Janeiro (RJ).
1984 - Adaptação de "Noites do Sertão", direção de Carlos Alberto Prates Corrêa - Rio de Janeiro (RJ).
1985 - Adaptação de "Grande Sertão: Veredas" para minissérie da Rede Globo, direção de Walter Avancini - Rio de Janeiro (RJ).
1994 - Rio de Janeiro RJ - Adaptação para o teatro de "Grande Sertão: Veredas", direção de Regina Bertola, no Centro Cultural Banco do Brasil
1994 - Filme "A Terceira Margem do Rio", direção e roteiro de Nelson Pereira dos Santos, baseado em cinco contos do livro "Primeiras Estórias": "A Terceira Margem do Rio", "A Menina de Lá", "Os Irmãos Dagobé", "Seqüência" e "Fatalidade" - Rio de Janeiro (RJ).
Discografia:
"Rio Abaixo"Intérprete: Paulo Freire e outros.
Disco: "Rio Abaixo - Viola Brasileira" (www.paulofreire.com.br ).
"Rosas pra João"
Interprete: Renato Motha e Patrícia Lobato.
CD com 13 canções inspiradas pela obra do biografado.
(www.renatomotha.com.br )
Disco: "Rio Abaixo - Viola Brasileira" (www.paulofreire.com.br ).
"Rosas pra João"
Interprete: Renato Motha e Patrícia Lobato.
CD com 13 canções inspiradas pela obra do biografado.
(www.renatomotha.com.br )
"Um chamado João"
"João era fabulista?
fabuloso? fábula? Sertão místico disparando no exílio da linguagem comum? Projetava na gravatinha a quinta face das coisas, inenarrável narrada? Um estranho chamado João para disfarçar, para farçar o que não ousamos compreender? Tinha pastos, buritis plantados no apartamento? no peito? Vegetal ele era ou passarinho sob a robusta ossatura com pinta de boi risonho? Era um teatro e todos os artistas no mesmo papel, ciranda multívoca? João era tudo? tudo escondido, florindo como flor é flor, mesmo não semeada? Mapa com acidentes deslizando para fora, falando? Guardava rios no bolso, cada qual com a cor de suas águas? sem misturar, sem conflitar? E de cada gota redigia nome, curva, fim, e no destinado geral seu fado era saber para contar sem desnudar o que não deve ser desnudado e por isso se veste de véus novos? Mágico sem apetrechos, civilmente mágico, apelador e precipites prodígios acudindo a chamado geral? Embaixador do reino que há por trás dos reinos, dos poderes, das supostas fórmulas de abracadabra, sésamo? Reino cercado não de muros, chaves, códigos, mas o reino-reino? Por que João sorria se lhe perguntavam que mistério é esse? E propondo desenhos figurava menos a resposta que outra questão ao perguntante? Tinha parte com... (não sei o nome) ou ele mesmo era a parte de gente servindo de ponte entre o sub e o sobre que se arcabuzeiam de antes do princípio, que se entrelaçam para melhor guerra, para maior festa? Ficamos sem saber o que era João e se João existiu de se pegar."
Carlos Drummond de Andrade -22/11/1967 - Versiprosa
A pesca do surubim
Mário Palmério
Hora e tanto já, e nada de peixe. Mas o gostoso era ficar assim na canoa, pensando na vida, imaginando coisas. Passada aquela eleição, ia sossegar. A política matava, acabava com a pessoa. Depois que se metera nela, nunca mais pudera ter uma semana de descanso. Escravo dos outros, do partido, do eleitorado. E os adversários não dormiam, os concorrentes vigiavam. Todos os dias, uma notícia má, nomeações que não saíam, chefes do interior que ameaçavam romper por causa de pedidos impossíveis... E ter de mentir, de prometer... Doutor, doutor... agora é a peixa... é a peixa, sim... engasgava o Gerôncio. Ferra, doutor, ferra! Mas era Paulo quem estava no cabo da vara; sabia que precisava esperar, sentir primeiro aquele tranco surdo trazido das profundidades pela linha de aço e pelas fibras do bambu. Calma... Agora! O pescador abaixou a vara um pouco mais, mais um pouco ainda, para bambear o aço e voltou com ela, num golpe duro, seco, certo. Ladrão! Paulo gritou quando sentiu a vara erguer-se frouxa, sozinha. Lhe falei, doutor... O senhor dormiu no ponto... Fora peixe grande, mesmo. Do muçum, nem notícia: o anzol sem um fiapo de isca... Ferrou de mau jeito, Gerôncio. Mas antes escapar no começo que na hora de embarcar o bicho na canoa. Já-já o safado está de volta. Você trouxe alicate? A idéia do alicate era desculpa. Paulo sabia que Gerôncio não se dava a esses luxos de carregar a porção de ferramentas que pescador de cidade costuma trazer nas capangas. Com a volta do anzol mais entortada ou exatamente como se achava, não seria por isso que o peixe ia escapar da fisgada. Falta de treino, isso sim. Errar logo um peixe de couro! Felizmente, o Rufino não estava perto. Se estivesse... Paulo ajeitou outro torete de muçum no anzolão. Perfeita, aquela enguia preta e encontradiça em qualquer brejo ou resfriado dos rios do Sertão dos Confins. O Lobo, outro fanático pela pesca dos grandes peixes noturnos, tentara aclimá-la em Amburana, inventando um brejo artificial no quintal da casa dele, planejando até uma criação para vender as iscas vivas à companheirada. Mas o muçum só vivia mesmo era pelas bandas do Urucunã, nativo de lá, e tal criação dera em nada. Uma pena, pois, como o Lobo dizia, Deus quando inventou o mundo previu até a pesca do surubim. “Que outra serventia?” perguntava ele. “Prestem atenção na cobrinha: carne dura, sangrenta, o tubo digestivo num canudo só, de calibre certo para se ajustar aos anzóis fundo-de-agulha e revestido, ainda por cima, desse músculo contrátil, acomodatício, agarrando-se ao aço como guarnição de borracha..." Outro que gostava dum palavrório, o Lobo. E as discussões dele com Rufino? Os peixes em latim, os plecostomus, os bimaculatus... Foi pena você não conhecer o Lobo, Gerôncio: companheirão estava ali! Paulo disse, depois que atirou novamente a isca no centro do rebojo. O senhor fica conversando, Dr. Paulo, e daqui a pouco o peixe passa outra vez a perna no senhor... provocou o maldoso do Gerôncio. Mas o pescador estava prevenido. Sustentava, agora, a vara com ambas as mãos, sem deixar que encostasse na borda da canoa, para que as mínimas vibrações do bambu lhe chegassem imediatas e perfeitas. Ferido na boca pela ferrada malsucedida, o peixe ainda demoraria a voltar e a sucumbir ante a presença do outro muçum carnudo e tentador... Mas havia outros: o rebojo da peroba-rosa nunca deixava ninguém de mãos abanando... Tontura gostosa dava a pinga forte do Gerôncio. E o silêncio, o balançar maneiro do rebojo, o fresco da chuvinha manhosa, a escuridão do rio... Impossível fixar-se numa idéia só, ou concentrar-se apenas na ponta do caniço: os pensamentos libertavam-se naquelas horas de espera, as preocupações sumiam, vinha a suave sensação de leveza e bem-estar. Daí, o irresistível daquelas fugas para as beiras de rio, o vício em que elas se tornavam. Boa vida, a de antigamente! Mas metera-se de uma vez na política, e agora era tocar para diante, que jeito já não havia de recuar. Abandonar, por exemplo, o João Soares... E os compromissos com o Bernardino, esse quase convencido, afinal, da inutilidade da antiga e terrível oposição aos Rochas, já aceitando os argumentos de D. Candinha, já se afastando da briga, dedicando-se mais à clínica e à família... Impossível... Fora ele, Paulo, que aparecera em Santa Rita para açular o pobre, metê-lo em brios... Razão tinha, e de sobra, a mulher do Bernardino, em mostrar aquela má vontade, aquela quase hostilidade... E os outros? O pessoal de Amburana, de Pedra Branca, os companheiros dos vinte e tantos municípios onde fora fundar partido e reforçar a luta contra a situação? Recuar como? Fugir como? Agora, doutor! Ixe, que monstra. Não dê a ponta, não, que a linha arrebenta! berrou de súbito o Gerôncio. Desta vez, a ferrada fora certeira. Ao golpear a vara, Paulo sentiu o soco da fisgada, firme tal e qual machadada de machado novo em tora macia de cedro. E um despropósito de peixe, que a vara se arqueou em curva alta, fechada, atingindo até os gomos atarrancados do cabo. Surubim! E dos manatas, olhe a vara! continuava o escandaloso do Gerôncio. Não dê a ponta, não, doutor! E dos pintados! o deputado gaguejou. Está puxando de esguelha, o ladrão... Duas arrobas, no mínimo. Virgem, é um cavalo de peixe! Sempre com razão, o Aleixo Telegrafista! Ferrada misteriosa. Sim, quem puxava o anzol com aquela força não podia ser bicho deste mundo. Era o caboclo-d’água. O chupão das profundas do rio levara quase metade da vara para dentro do rebojo. Mantê-la em pé, embodocada, as mãos destreinadas de Paulo já quase não o conseguiam e, se o peixe lograsse diminuir de mais um tico o ângulo que o bambu ainda mantinha com o nível do rio, aí então é que nada evitaria o desastre: linha, vara, pescador bastava que este caísse na bobagem de bancar o teimoso), tudo seria engolido de uma vezada pelo horrendo sumidouro.... Nos seus bons tempos, Paulo não admitiria aquilo mas teve de aceitar, agora, a demão do Gerôncio. O preto passara-lhe os dois braços rijos pela arca do peito, cruzando as mãos num arrocho definitivo, ajudando a fazer força. Pés calçados no reforço transversal que todo canoeiro prático já deixa pronto, inteiriço, na hora de ocar a tora de pau, o negro bufava: ’güente o galho do seu lado, patrão, que do meu lado eu ’güento! O bambu estralava que nem taboca no fogo. O cabo de aço três fios doze trançados, decerto presente do Pe. Sommer ao Gerôncio parecia laço em cabeça de boi xucro. Zanzava, doido, cortando o rebojo de fora a fora, enfiando-se por baixo da canoa, procurando a água-braba, fugindo, voltando, regirando agora, desatinado... Recolha a sua linha, Gerôncio! Me largue! Deixe o bicho sozinho por minha conta. Recolha a linha, senão o peixe se embaraça nela! Mas o Gerôncio não largava. Conhecia o tamanho daqueles surubins do rebojo e, pelo tinido da linha, adivinhava o animal que o Dr. Paulo havia ferrado. Tem perigo não, Dr. Paulo. Ei, linhinha macha! Fica pancrácio, fica, bigodeira de jauzão! Ixe, Nossa Senhora, bicho feroso este, cruz! Linha às costas, agora, o peixe esbarrava velhaço, no centro do rebojo, onde a ventosa da água chupava irresistível como boca de sucuri. A vara envergava, envergava, ringia, estalava. ’güenta, doutor! Incomode com a canoa não isso é brinquedo para ela! Se entrar mais água, eu solto a poita... Bicho desgraçado! O repuxo era tal que a canoa embicava, popa levantada, a proa apanhando água. Se o peixe se mantivesse empacado daquele jeito, que nem estorvo em boca de bueiro, o remédio era mesmo soltar a poita para aliviar a canoa e ficar rodando com ela por sobre o redemoinho, até que se cansasse e cuidasse de inventar outra moda. O tempo passava, Gerôncio sem se resolver alargar o companheiro, e a canoa pegando cada vez mais água. Pode me largar, Gerôncio. Solte a poita! Mas não foi preciso: o surubim desembestara, agora num volteio maluco de pião. Lá estava, porém, na argola de arame do cabresto, o girador. A linha de aço se destorcia quando chegava ali, afastando o perigo das crocas. Muito peixe escapa assim, em vara sem girador, a linha arrebentada no melhor da hora... Tempão lutou o peixe antes de pranchear, entregue. A espaços apontava a cabeça à superfície todo feioso de pau preto para, em seguida, remergulhar num último desespero. A vara, porém, empinada, quase a prumo, obrigava-o mais e mais a acercar-se da canoa. Gerôncio deixara, afinal, Paulo gozar sozinho a luta com o surubim já dominado. Me apanhe a carabina, Gerôncio. Tome a vara, tome... O surubim boiou por derradeiro quando boiou bem no centro do rebojo, lá onde as espumas não chegavam. Paulo atirou. Bruto tiro de morteiro que quis ameaçar um ror de iguais respostas nos barrancos mas que mal deu em tímido pingue-pongue de ecos frouxos, porque molhados e apagados logo pela chuvinha que apertava. Mário de Ascenção Palmério, professor, educador, político e romancista, nasceu em Monte Carmelo, MG, em 10 de março de 1916. Fez seus estudos secundários no Colégio Diocesano de Uberaba e no Colégio Regina Pacis, de Araguari, licenciando-se em 1933. Em 1935, matriculou-se na Escola Militar de Realengo, no Rio, de onde se desligou, no ano seguinte, por motivos de saúde. Em 1936, ingressou no Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais, sendo designado para servir na sucursal de São Paulo. Lá, iniciou-se no magistério secundário, como professor de Matemática no Colégio Pan-Americano, passando a lecionar em outros estabelecimentos. Deixa o banco e dedica-se exclusivamente ao magistério. Em 1939, matriculou-se na seção de Matemática da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, época em que passou a lecionar também no Colégio Universitário da Escola Politécnica, por nomeação do Governo daquele Estado. Tempos depois deixou São Paulo para abrir na cidade mineira de Uberaba o Liceu do Triângulo Mineiro. Eleito deputado federal em 1950, e reeleito em 1954 e 1958, exerceu funções de destaque na Câmara dos Deputados. Só aos 40 anos (1956) aparece seu primeiro livro, fruto de aventura intelectual cujo propósito era bem outro, isto é, a política. " ‘Vila dos confins’ nasceu relatório, cresceu crônica e acabou romance...", segundo confessa o próprio autor. Seu espírito empreendedor levou-o a construir em Uberaba a Cidade Universitária em terreno de área superior a 300.000 metros quadrados, e o Hospital "Mário Palmério", da Associação de Combate ao Câncer do Brasil Central, maior nosocômio em todo o interior do Brasil. Em setembro de 1962 foi nomeado pelo Presidente João Goulart para o cargo de Embaixador do Brasil junto ao Governo do Paraguai. Assumiu o posto em 10 de outubro do mesmo ano. Permaneceu nessa missão até abril de 1964; período em que marcou sua presença tanto no campo da diplomacia como no das atividades culturais naquele país. De regresso ao Brasil isolou-se em sua fazenda São José da Cangalha — no sertão do Mato Grosso — e ali escreveu “Chapadão do Bugre”, romance para o qual vinha colhendo, desde o êxito de “Vila dos confins”, abundante material lingüístico e de costumes regionais, e que recebeu de toda crítica os mais rasgados elogios. Lançado em outubro de 1966, o romance teve inúmeras edições. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na Cadeira nº 2, sucedendo a Guimarães Rosa, em 4 de abril de 1968, e recebido em 22 de novembro de 1968, pelo acadêmico Cândido Mota Filho. Durante vários anos viajou de barco pelo rio Amazonas e seus afluentes, levantando dados sobre a realidade física, social e cultural da Região Amazônica. Em 1987, deixou de vez o Amazonas e voltou a morar em Uberaba, como Presidente das Faculdades Integradas daquela cidade. Em 1988, recebeu a medalha Santos Dumont, conferida pelo Ministério da Aeronáutica. Mário Palmério era casado com D. Cecília Arantes Palmério. Teve dois filhos: Marcelo e Marília. O escritor faleceu em Uberaba (MG), no dia 24 de setembro de 1996.
OBRAS:
Vila dos confins, romance (1956) Chapadão do Bugre, romance (1965) O morro das sete voltas, romance (inédito) Seleta... Organização, estudo e notas de Ivan Cavalcanti Proença (1974).(Dados obtidos junto à Academia Brasileira de Letras).
Postado Por
Vera Lucia Costalonga Lopes Graduada em Letras /Português / Inglês pela UNIoeste – de Presidente Prudente /SP Pedagogia/supervisão / administração / coordenação pela Fafiprev de Venceslau-SP Especialista em Docência do Ensino Superior - Pós-Graduada Pela Unipan de Cascavel-PR |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
http://veramelo.blogspot.com.br/