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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós


1-A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós

Publicado em 1901, no ano seguinte ao da morte de Eça de Queirós, o romance A Cidade e as Serras
foi desenvolvido a partir da ideia central contida no conto
“Civilização”, datado de 1892. Na verdade, o escritor pretendia publicar uma série de pequenos
volumes em que analisaria flagrantes na vida real. Havia ainda, por parte do autor, a promessa de
que o volume não passaria de quatro capítulos e cerca de 130 páginas. Ao que parece, os editores
demoravam muito para editar obras muitos extensas, dificultadas pelo trabalho de composição
tipográfica.
      Em 1895, durante cerca de cinco meses, Eça revisou as provas deste volume e introduziu inúmeras
modificações. Após a morte do escritor, em 1900, os primeiros capítulos já se encontravam
compostos e os demais, ainda em manuscrito, incluindo alguns capítulos inacabados. Coube a
Ramalho Ortigão, grande amigo do escritor, rever os originais, decifrá-los, revisar as provas já
compostas e, inclusive, emendar algumas partes que careciam de sentido.
     A estrutura do romance A Cidade e as Serras nos remete à dialética  dos filósofos alemães: Tese (a
civilização industrial, a cidade) x Antítese (a vida no campo- as serras)= Síntese ( a vida
rural,bucólica, incrementada pelo telefone, telégrafo,livros e concepções modernas  de produção
rural e  relações de trabalho) São ainda perceptíveis as referências  ao Positivismo(a ciência como
critério absoluto da verdade- suma ciência x suma potência=suma felicidade);ao Evolucionismo ( a
localização dos aspectos biofisiológicos e á submissão do ser humano às leis do instinto  e da
hereditariedade);ao Determinismo(a concepção de que o comportamento humano é determinado
pelos fatores mesológicos- o meio, a raça e o momento (histórico); o Socialismo- utópico, romântico
em que é projetado nas falas e em algumas atitudes de Jacinto e de Zé Fernandes.
Ainda, Eça retoma alguns valores clássicos, tais como Fugere Urbem, o Aurea Mediocritas, Inutilia
Truncat e o Locus Amoenus.
Ajuste da civilização
       Na abertura o revisor registra uma advertência:’Desde a página 126 até o final, não houve revisão
(nota-se esse crivo nos 2 últimos capítulos).
Temos 16 capítulos sem titulação. O livro pode ser dividido em duas partes: a 1ª  que vai do capítulo I
AO VII a narrativa ocorre em Paris- repleta de sátiras  aos tipos e episódios  da alta burguesia urbana; na segunda que vai do capítulo VIII  ao final da narrativa , a ação se passa nas serras de Tormes,
interior de Portugal, e também rica em episódios burlescos.

Observa-se  a obra dividida em três tempos  nítidos:
1- Jacinto aprecia e exalta a civilização
2- Zé Fernandes, o narrador retorna de Portugal 7 anos depois
3- Quando ambos vão para Portugal- reencontro das raiízes.

Tempo Narrativo-Cronológico O início é um flash back, pois o protagonista nasce em Paris. O tempo
da narrativa gira em torno de 20  anos,pois no início Jacinto tem 23 anos.Depois Zé Fernandes retorna
a Portugal, por doença do tio.Ao voltar, depois de 7 anos , Zé Fernandes  volta a Paris e reencontra
Jacinto com 30 anos e no capítulo sétimo ele faz 34 anos. No capítulo XV já se passaram 5 anos sobre
Tormes e as serras.

Foco Narrativo-    O romance é escrito em primeira pessoa por José Fernandes, um personagem
secundário.ângulo de visão limitada. O narrador é coadjuvante- narrador testemunha (eu interno á
narrativa).

Linguagem- branda com aproximações poéticas. linguagem correta, perfeita,frases curtas,ordem
direta e coloquial. O estilo flui sem interrupções, preciso, contínuo e maleável..Incorpora palavras até
então em desuso (pessoas que falam cuspindo na cara da gente) Ex: Gouveia quando fala
cospe”...jatos melancólicos de saliva.”(hipálage)

Espaço- Cidade- civilização- Paris- Apto 202- Avenida Campos Elíseos-( metonímia do tecnicismo e do
artificialismo) X Serras (natureza)- Portugal de Guiães e Tormes- ambiente convencional e preservado.

Comentário
O narrador centraliza seu interesse na figura de certo Jacinto, descrevendo-o como um homem
extremamente forte e rico, que, embora tenha nascido em Paris, no 202 dos Campos Elíseos, tem
seus proventos recolhidos de Portugal, onde a família possui extensas terras, desde os tempos de D.
Dinis, com plantações e produção de vinho, cortiça e oliveira, que lhe rendem bem. O avô de Jacinto,
também Jacinto, gordo e rico, a quem chamavam D. Galeão, era um fanático miguelista. Quando D.
Miguel deixou o poder, Jacinto Galeão exilou-se voluntariamente em Paris, lá morrendo de
indigestão. D. Angelina Fafes, após a morte do marido, não regressou a Portugal, e, em Paris, criou
seu filho, o franzino e adoentado Cintinho que se casou com a filha de um desembargador, nascendo
desta união nosso protagonista.
      Desde pequeno Jacinto brilhara, quer por sua inteligência, quer por sua capacidade. Aos 23 anos
tornou-se um soberbo rapaz, vestido impecavelmente, cabelos e bigodes bem tratados,e feliz da vida.
Tudo de melhor acontecia com ele, sendo chamado pelos companheiros de  “Príncipe da Grã-
Ventura”. Positivista animado, Jacinto defendia a ideia de que “o homem só é superiormente feliz
quando é superiormente civilizado”.
A maior preocupação de Jacinto era defender a tese de que a civilização é cidade grande, é máquina
e progresso que chegavam através do fonógrafo, do telefone cujos fios cortam milhares de ruas,
barulhos de veículos, multidões... Civilização é enxergar à frente.. Em fevereiro de 1880, Zé Fernandes
foi chamado pelo tio e parte para Guiães e, somente após sete anos de vida na província, retorna e
reencontra Jacinto no 202 dos Campos Elíseos. O narrador presenciou coisas espantosas: um elevador
para ligar dois andares do palacete; no gabinete de trabalho havia aparelhos mecânicos cheios de artifício; e, enquanto Jacinto escreve para Madame d’Oriol, José Fernandes visita uma enorme
biblioteca de trinta mil títulos, os mais diversos possíveis, dos mais renomados autores às mais
diferentes ciências. A visita termina com uma refeição em que foram servidas as mais sofisticadas
iguarias e um convite de Jacinto ao narrador que ele se hospede no 202.

Primeiros desencantos
      Zé Fernandes, a partir daí, pôde observar com maior atenção o amigo; suas intensas atividades o
desgastavam e, com o passar do tempo, constatou que Jacinto foi perdendo a credulidade,
percebendo a futilidade das pessoas com quem convivia, a inutilidade de muitas coisas da sua tão
decantada civilização. Nos raros momentos em que conseguiam passear, confessava ao amigo que o
barulho das ruas o incomodava, a multidão o molestava: ele atravessava um período de nítido
desencanto. Alguns incidentes contribuíram sobremaneira para afetar o estado de ânimo de Jacinto:
o rompimento de um dos tubos da sala de banho, fazendo jorrar água quente por todo o quarto,
inundando os tapetes, foi o bastante para aparecer uma pilha de telegramas, alguns inclusive com um
riso sarcástico, com o do Grão-duque Casimiro, dizendo que não mais apareceria pelo 202 sem que
tivesse uma bóia de salvação.
      As reuniões sociais estavam ficando maçantes. Em uma recepção ao Grão-Duque, Jacinto já não
agüentava o farfalhar das sedas das mulheres quando lhes explicava o uso dos diferentes aparelhos, o
tetrafone, o numerador de páginas, o microfone... O criado veio lhe informar que o peixe a ser
servido ficara preso no elevador e os convidados puseram-se a pescá-lo, inutilmente, porque o peixe
acabou não indo para a mesa, fato que deixou ainda mais aborrecido o anfitrião.
           Preocupado, Zé Fernandes consulta o fiel criado Grilo sobre o que está ocorrendo com Jacinto.
O homem respondeu com tamanho conhecimento de causa que espantou o narrador. Uma simples
palavra poderia definir todo o tédio de que era acometido: o patrão sofria de “fartura”.
      Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente a fartura de Paris; e na Cidade, na simbólica
Cidade, fora de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava, iluminado) o homem do século XIX
nunca poderia saborear plenamente a "delícia de viver", ele não encontrava agora forma de vida,
espiritual ou social, que o interessasse, lhe valesse o esforço de uma corrida curta numa tipóia fácil.
Pobre Jacinto......”
      Certo dia, enquanto esperavam ser recebidos por Madame d'Oriol, José Fernandes e Jacinto
subiram à Basílica do Sacré-Coeur, em construção no alto de Montmartre. Ao se recostarem na borda
do terraço, puderam contemplar Paris envolta em uma nuvem cinzenta e fria, motivando profundas
reflexões, pois a cidade  - tão cheia de vida, de ouro, de riquezas, de cultura e resplandecência,
incluindo o soberbo 202, com todas as suas sofisticações - estava agora sucumbida sob as nuvens
cinzentas,com caliça de pó de argamassa, branca, abafada.Dí a conclusão:” a cidade não passava de
uma ilusão.”. Paris foi a capital do século XIX, centro cultural e progressista. Em razão das reformas
urbanas de Haussmann- incorporação da tecnologia- vida social- poder de sedução. Hoje diante de
seus olhos, a cidade jazia toda cinzenta......
      (...) uma ilusão! E a mais marga, porque o homem pensa ter na cidade a base de toda a sua
grandeza e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e
beleza harmoniosa do corpo e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em
unto de ossos moles como trapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós, com
dentauros de chumbo sem sangue, sem febre, sem viço, torto, corcunda  - esse ser em que Deus,
espantado, mal pôde reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão!... A sua tranqüilidade (bem tão
alto que Deus com ele recompensa os santos) onde está, meu Jacinto........Zé Fernandes continuou a filosofar, acrescentando preocupações de caráter pessoal, indagando a
posição dos pequenos que, como vermes, arrastavam-se pelo chão, enquanto os poderosos os
massacravam; eles iam às óperas aquecidos, lançando aos pobres não mais que algumas migalhas.
Religiosamente, acreditava ser necessário um novo Messias que ensinasse às multidões a humildade
e a mansidão.
     “...Pensativamente deixou a borda do terraço, como se a presença da Cidade, estendida na
planície,  fosse escandalosa. E caminhamos devagar, sob a moleza cinzenta da tarde, filosofando  -
considerando que para esta iniqüidade não havia cura humana, trazida pelo esforço humano...”
De Schopenhauer ao Eclesiastes: pessimismo
      Como já havia planejado, o narrador partiu para uma viagem pela Europa e, ao retornar, procurou
o amigo e tentou descobrir o que lhe passava na lama, pois, encontrou-o mais pessimista que nunca,
depressão revelada pelas leituras do Eclesiastes e do filósofo pessimista Schopenhauer. Nestas
leituras, encontrava certo amparo aos comprovar que todo mal era resultante de uma lei universal e,
a partir daí, encontrou uma grata ocupação - maldizer a vida. Ao mesmo tempo, sobrecarregou sua
existência com fervores humanísticos. Mas de nada adiantava, pois Jacinto estava desolado. No
inverno escuro e pessimista, Jacinto acordou certa manhã e comunicou a José Fernandes que estava
de partida para Tormes.
Decidiu viajar ao receber uma carta de Silvério, seu procurador, que dizia estarem concluídos os
trabalhos de reerguimento da capela para onde seriam traslados os restos mortais de seus avós que
ele não conhecera, mas que o 202 estava cheio de recordações.
      Os preparativos para a viagem envolveram uma mudança da civilização para as serras.  Jacinto
encaixotou camas de penas, banheiras, cortinas, divãs, tapetes, livros, despachou tudo para poder
enfrentar com conforto um mês nas serras. Le4va consigo Grilo, seu fiel empregado e Anatole.
Enquanto isso; renascia nele o amor pela cidade.
      Partiram os dois amigos de volta a Portugal. As cidades passavam pelas janelas do trem: da França
para a Espanha, da Espanha para Portugal... Tomado por uma suave emoção, José Fernandes estava
feliz em rever a pátria; Jacinto, aborrecido e enfadado principalmente porque, em Medina (Espanha),
as malas ficaram em compartimentos errados quando foi feita a baldeação. O narrador, com o intuito
de aclamar o amigo, diz-lhe que a Companhia cuidaria de tudo. E ficaram os dois só com a roupa do
corpo. Enfim, chegaram a Tormes.
      “...e ambos em pé, às janelas, esperamos com alvoroço a pequenina estação de Tormes, termo
ditodoso das nossas provaçõe4s. Ela apareceu enfim, clara e simples, à beira do rio, entre rochas, com
sues vistoso girassóis enchendo um jardinzinho breve, as duas altas figueiras assombreando o pátio, e
por trás, a serra coberta de velho e denso arvoredo”.
      Desembarcaram em Tormes, onde o narrador encontrou o velho amigo, Pimenta, chefe da
estação. Após apresentar-lhe o senhor de Tormes, indagou por Silvério, o procurador de Jacinto em
terras portuguesas. Começaram então outros desastres da viagem. Silvério não os aguardava: havia
partido há dois meses para o Castelo de Vide. Os criados: Grilo e Anatole,aparentemente estavam
com as 23 malas em outro compartimento, não foram encontrados, o trem apitou e partiu, deixando
os dois sem nada. Não havia cavalos para atravessarem a serra, pois Melchior, o caseiro, não os
esperava senão para o mês seguinte. Pimenta arranjou-lhes uma égua e um burro e ambos seguiram
serra cima, esquecendo, por alguns instantes, os infortúnios passados enquanto contemplavam a
beleza da paisagem. O pior ainda estava por acontecer: os caixotes despachados de Paris há quatro meses não haviam chegado, e o mais civilizado dos homens estava totalmente à mercê das serras.
Como ninguém os esperava, a casa não estava pronta para recebê-los, a reforma acontecia devagar,
os telhados ainda continuavam sem telhas, a vidraças sem vidros. Zé Fernandes sugeriu que
rumassem para a casa de sua tia Vicência em Guiães e Jacinto retrucou que ia mesmo para Lisboa.
      Melchior arranjou como pôde um jantarzinho, caseiro e simples, longe das comidas sofisticadas,
das taças de cristal, dos metais e porcelanas. Uma comida que serviu para matar gostosamente a
fome dos viajantes. O senhor de Tormes regalou-se com o jantar que lhe parecera, à primeira vista,
insuportável; e o caseiro, diante das manifestações de regozijo perante a comida, pensou que seu
senhor passava fome em Paris.
      Após o jantar, ambos ficaram contemplando o céu cheio de estrelas, passaram a ver os astros que
na cidade não se dignavam ou não conseguiam observar. O narrador ia-se deixando levar por um
contato tão estreito com a paisagem, que em breve surgia uma identificação total do homem com a
natureza e em tudo se percebia Deus, num claro processo panteísta muito comum entre os
românticos e que Eça passou a assumir.
      O cansaço vence os dois viajantes. José Fernandes adormece sob os apelos de Jacinto para que lhe
enviasse  algumas peças brancas e lhe reservasse alojamento em um bom hotel de Lisboa. Uma
semana depois que José Fernandes havia partido para Guiães, recebeu suas malas e imediatamente
enviou um telegrama para Lisboa, endereçado ao hotel Bragança, agradecendo pela bagagem que foi
encontrada e alegrando-se pelo amigo estar novamente gozando os privilégios de seres civilizados.
No entanto, não obteve resposta. Certo dia, o narrador voltando de Flor da Malva, da casa de sua
prima Joaninha, parou na venda de Manuel Rico, e ficou sabendo algo surpreendente através do
sobrinho de Melchior: Jacinto permanecia em Tormes já há cinco semanas.
Ao visitar Jacinto, José Fernandes o encontrou totalmente mudado, física e mentalmente. Nada nele
denunciava um homem franzino; estava encorpado, corado, como um verdadeiro montês.
      Mas o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas – como Catão para chamar os
servos, na Roma simples. E gritava:
      - Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha!
      Pulei, imensamente divertido:
      - Oh Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E as sódicas?...
      O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição de um grande
copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que uma bela moça trazia num prato.
      Um homem de bem com a vida
      Era outro Jacinto a quem o campo já não mais era insignificante. Cada momento novo era uma
nova e alegre descoberta. Enfim, era um homem de bem com a sua vida. Aproveitando a presença do
amigo, Jacinto providenciou a transladação dos corpos de seus antepassados para a Capelinha da
Carriça, agora reconstruída. Zé Fernandes, hábil observador do amigo, percebeu que Jacinto não se
contentava em ser o apreciador passivo dos encantos da natureza. Ele queria participar de tudo, e lhe
surgiam grandes idéias como encher pastos, construir currais perfeitos, máquinas para produzir
queijos...
      Certo dia, ao percorrer seus domínios, Jacinto conheceu o outro lado da serra: uma criança muito
franzina viera pedir socorro para a mãe agonizante. A partir desse momento, as decisões de Jacinto
tomaram novo rumo, pois ele começou a se preocupar com o lado triste da serra, e passou a fazer caridade, reconstruir casa, dar novo alento à vida dos humildes. Em uma das inúmeras visitas que lhe
fez o narrador, Jacinto confessou que pretendia introduzir um pouco de civilização naqueles cantos
tão rústicos. O povo da região começou a agradecer as benfeitorias e logo passou a circular a lenda
que o senhor de Tormes era D. Sebastião que havia voltado para ressuscitar Portugal.
      Convidado por Zé Fernandes para o aniversário de tia Vicência, Jacinto encontraria aí a
oportunidade de conhecer seus vizinhos, outros proprietários. No entanto, a recepção não foi aquilo
que o narrador esperava. Havia uma frieza por parte dos habitantes da região, exceto tia Vicência que
o recebeu como verdadeiro sobrinho. Ao terminarem a ceia, vieram  saber o porquê daquela frieza:
eles pensavam que o senhor de Tormes fosse miguelista como o avô e que pretendia restituir D.
Miguel ao poder. Este fato ocorreu porque um tal  louco João Torrado espalhou que Jacinto era um
monarquista, que sendo neto de Galeão  vinha dar continuidade ao conservadorismo.
           A manhã seguinte estava fresca e clara,. José Fernandes levou o amigo até Flor da Malva, para
visitar sua prima Joaninha que não pudera comparecer à reunião, pois o pai, Adrião, estava acamado.
No caminho, encontraram João Torrado, um velho eremita que supôs estar diante de D. Sebastião.
Esta figura ilustrava o lado da profundidade do mito na mentalidade simples, saudando Jacinto como
um profeta, e tratando-o como “pai dos pobres”. Nele estão representadas a sabedoria e a
simplicidade do povo.
        Andamos.....”Mas, à porta, que de repente se abriu, apareceu minha prima Joaninha, corada do
passo e do vivo ar, com um vestido claro um pouco aberto no pescoço, que fundia mais docemente,
numa larga claridade, o esplendor branco da sua pele, e o louro ondeado dos seus belos cabelos, -
lindamente risonha, na surpresa que alargava os seus largos, luminoso olhos negros, e trazendo ao
colo uma criancinha, gorda e cor-de-rosa, apenas coberta com uma camisinha, de grandes laços
azuis.”
      E foi assim que Jacinto, nessa tarde de setembro, na Flor da Malva, viu aquela  que era conhecida
como “flor de malva”com quem casou, em maio, na capelinha de azulejos, quando o grande pé de
roseira se cobrira já de rosas.
      “Cinco anos se passaram em plena felicidade por ver correrem por aquelas terras duas fidalgas
crianças, Teresinha e Jacinto. Os caixotes embarcados de Paris enfim chegaram a Tormes e serviam
para demonstrar o total equilíbrio do protagonista, aproveitando o que poderia ser aproveitado e
desprezando as inutilidades da civilização, justificando deste modo a observação feita por Grilo: Sua
Excelência brotara”. Certamente Jacinto descobrira seus melhores valores: era feliz e fazia os outros
felizes. Algumas vezes Jacinto falou em levar a esposa para conhecer o 202 e a civilização, mas o
projeto, por um motivo ou por outro, era sempre adiado.
      Quem voltou a Paris foi Zé Fernandes e lá, sentindo-se abandonado e entendia do, descobriu uma
porção de fantoches a viverem uma vida falsa e mesquinha. Percebeu que os antigos conhecidos
eram seres frágeis e vazios, idênticos entre si e massas impessoais, amorfas, feitas para agradar ou
desagradar os outros conforme seus interesses. Não suportando a cidade, retornou a Portugal. Este
serrano que anteriormente valorizava os encantos da civilização foi tomado pelos mesmos
sentimentos de Jacinto e confirmou uma simples verdade: no fundo, reabilitou Eça de Queirós com o
seu Portugal.

Personagens
Jacinto de Tormes- Príncipe da Grã Ventura- nascido em Paris, filho de portugueses
Cintinho- pai de Jacinto. Morreu de tuberculose três meses e três dias antes do filho nascer.Jacinto Galeão- avô de Jacinto, um dia cai na rua e, é levantado por D.Miguel.
D.Angelina Fafes- avó de Jacinto, que o criou.
Grilo- criado negro, fiel e dedicado.
Joaninha- prima de Zé Fernandes- esposa de Jacinto. Personagem que não tem quase palavra na
obra, pois se trata de uma moça recatada diferente das mulheres da sociedade.

Tipos Humanos
Silvério- procurador de Jacinto em Tormes
Melchior- o caseiro solar de Tormes.
João Torrado- um profeta das serras – semelhança com o Velho do Restelo ( Os Lusíadas)

Para guardar:
 Começou com um conto “Civilização” (saiu na Gazeta de Notícias- escritor anônimo)
 A seguir escreveu: A cidade e as serras- visão da cidade tediosa. Não reviu o final da obra. Ramalho
Ortigão, amigo de Eça de Queirós formatou  o livro.
 A obra teve influência de Flaubert ,o pai do Realismo no mundo-
 Teorias que marcam as obras realistas:Evolução de Darwin,Determinismo de Taine;
Positivismo de Conte.
 Para uma obra ser realista deve ter fundamento nessas teorias do século XIX.
 A obra de Eça apresenta uma crítica á futilidade e ao conservadorismo da elite portuguesa. Estas
elites deveriam ter uma relação assistencialista com as classes subalternas,
 Época de revalorização., por parte do autor, das tradições portuguesas- espécie de reconciliação
com o país e com o povo.
 Jacinto nasceu em Paris, porque o avô abandonou o país de origem  quando soube que D. Miguel
fora exilado
 Jacinto cresce feliz no 202 e diz que o homem só é superiormente feliz quando é superiormente
civilizado- Príncipe da Grã Ventura.
 Grilo tem muita importância na vida de Jacinto, pois é seu criado que anota toda sua agenda, pois
ele exerce funções sociais e econômicas.
 No capítulo VIII, observa-se Jacinto chegando á festa de Zé Fernandes ,sendo hostilizado pelos
presentes, pois por ser neto de Galeão (miguelista)- as pessoas pensaram na volta do
conservadorismo monárquico.Quando percebe a situação explica  ser socialista  e que sua única
intenção era ajudar seus funcionários a ter uma vida melhor- daí ser aclamado como “Pai dos Pobres

 Jacinto vai a Portugal, pois a capela que estavam os ossos de seus antepassados  devem ser
transladados,
 Joaninha,a flor  da flor da Malva , fora chamada por Jacinto de lavradeirona. A primeira vez que a
vê ela está com uma criança no colo- Intertextualiza-se com Pandora , a natureza, mãe de todos os
homens, sentimentos e circunstâncias- aquela que completa os ciclos, faz brotar as plantas.
 O namoro com Joaninha dura só seis meses. Casam-se e têm dois filhos: Terezinha e Jacintinho.
 Ao falar do casal que cuida de sua quinta em Tormes- Ana Vaqueira- fêmea- animalidade- referese a personagens de classes sociais inferiores- intertextualidade com personagens do Cortiço
 Eça de Queirós  critica a hipocrisia  dos valores portugueses,observa o cotidiano,desfila uma
galeria de tipos sociais.É irônico- diz uma coisa querendo dizer outra.
 Cenário: os círculos mais abastados de Paris e as serras de Tormes, em Portugal, no final do século
XIX.
 Personagem principal- Jacinto de Tormes- Príncipe da Grã ventura; -o homem só é “superiormente
feliz quando é superiormente civilizado”
 Fórmula ::SUMA CIÊNCIA x SUMA POTÊNCIA =SUMA FELICIDADE
 Homem vive isolado –fechado em Paris- nasceu e viveu ali ;
 Homem ricoi e poderoso. Recebe proventos de Portugal (desde o tempo de D.Dinis);
 É rodeado de gente falsa;     Benefício da tecnologia-não tem felicidade. Tecnologia : elevador,máquina de escrever,de
calcular,contador de documentos,telégrafo,arrancador de cabinhos de morango., abotoador de
ceroulas
 José Fernandes: é amigo do protagonista. São amigos de longa data. Ele o chama de “Meu
Príncipe” Acompanha o amigo em toda sua jornada.Ele é narrador e personagem secundário.Foi
expulso de Coimbra e mandado pelo tio para Paris para estudar .Acamaradou-se com
Jacinto,tornando-se atento observador das transformações por que passa o amigo.
 Após a conversão do amigo Jacinto, Zé Fernandes retorna a Paris e,já não vendo encanto na
cidade,resolve regressar a sua terra.
 O Palácio de Sr. Jacinto sofre uma inundação .O elevador emperra e outros incidentes
tecnológicos.-Nisso olha Paris e chega à conclusão que a cidade é uma ilusão ;
 Jacinto faz 34 anos- Festa  Artificial– pessoas ali estão só por convenção;
 Resolve partir para Tormes .Manda para lá toda parafernália da tecnologia.
 Reconcilia-se com a vida ao desembarcar em Tornes e defrontar-se com as belezas da
natureza. Chega a Tormes só com a roupa do corpo, pois sua bagagem se extravia
 Depara-se com a pobreza  dos camponeses de suas terras. Dotado de inegável capacidade
filosofante, está o criado Grilo. Do lado oposto, estão os representantes da serra, a nobreza rural e os
trabalhadores braçais miseráveis que são focalizados para acirrar os contrastes.
 Manda construir boticário, creche, escola,e tudo mais .
 O povo o chama de “Nosso Benfeitor”,- “Pai dos Pobres” pois pensam ele ser a reencarnação
de D.Sebastião.
 INTERTEXTUALIDADE COM SAGARANA- lado místico
 Em contato com a miséria procura  reformar e remodelar  a estrutura arcaica de Portugal.
 CIDADE
 símbolo de progresso –requinte,artificialismo- de interesse e infelicidade
 SERRA
 Felicidade- tradição- naturalidade.
 Eça faz APOLOGIA  DA VIDA NA SERRA .RESGATAR O POVO PORTUGUÊS PARA PORTUGAL (o povo que sai do campo)

Observem!
Os romances de Eça de Queirós costumam  apresentar críticas e aspectos importantes da sociedade
portuguesa,freqüentemente acompanhadas de propostas explícitas e implícitas  de reforma social .
Em “As cidades e as serras  o aspecto que se é criticado é  o atraso e o conservadorismo”.
O Romance propõe uma reforma social, encabeçada  pelos mais privilegiados,que promovesse a
assistência social  através do amparo e proteção  aos menos favorecidos.
Quando Jacinto tem seu apelido modificado  de “Príncipe Grã Ventura” para  “Pai dos Pobres” esse
caráter paternalista fica evidenciado.

              EXERCÍCIOS
1. (UNICENTRO) A única passagem que NÃO encontra apoio em A Cidade e as Serras, de Eça
de Queirós, é·
·(A) Em A Cidade e as Serras, José Fernandes, de rica família proveniente de Guiães, região serrana de
Portugal, narra a história de Jacinto de Tormes, seu amigo também fidalgo, embora nascido e criado
em Paris.
B) A Cidade e as Serras  explora uma grave tese sociológica: ser-nos preferível viver e proliferar
pacificamente nas aldeias a naufragar no estéril tumulto das cidades.
C) Para Jacinto, Portugal estava associado à infelicidade, enquanto Paris associava-se à felicidade; ao
longo do romance, contudo, essa opinião se modifica.D) No romance dois ambientes distintos são enfocados ao longo das duas partes em que o livro pode
ser dividido: a civilização e a natureza.
E) Já avançado em idade, Jacinto se aborrece com as serras e tenciona reviver as orgias parisienses,
mas faltam-lhe, agora, saúde e riqueza.

2. (FOVEST) O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, publicado em 1901, é
desenvolvimento de um conto chamado “Civilização”. Do romance como um todo pode afirmar-se
que
A) apresenta um narrador que se recorda de uma viagem que fizera havia algum tempo ao Oriente
Médio, à Terra Santa, de onde deveria trazer uma relíquia para uma tia velha, beata e rica.
B) caracteriza uma narrativa em que se analisam os mecanismos do casamento e o comportamento
da pequena burguesia da cidade de Lisboa.
C) apresenta uma personagem que detesta inicialmente a vida do campo, aderindo ao
desenvolvimento tecnológico da cidade, mas que ao final regressa à vida campesina e a transforma
com a aplicação de seus conhecimentos técnicos e científicos.
D) revela narrativa cujo enredo envolve a vida devota da província e o celibato clerical e caracteriza a
situação de decadência e alienação de Leiria, tomando-a como espelho da marginalização de todo o
país com relação ao contexto europeu.
E) se desenvolve em duas linhas de ação: uma marcada por amores incestuosos; outra voltada para a
análise da vida da alta burguesia lisboeta.

Comentário: Em A Cidade e as Serras, o narrador conta a vida de seu amigo, Jacinto, defensor da vida
urbana hipercivilizada, repleta de tecnologia e artificialismos. Inicialmente, Jacinto acreditava que "o
homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado", porém ao partir para o campo,
Tormes, cidade fictícia, em Portugal, ele recupera suas origens, torna-se mais compreensivo com o
que antes rejeitava e integra-se à vida rural, trabalhando nos campos elevando para a vida campesina
o que a sociedade urbana e a tecnologia ofereciam de melhor.

3. (FUVEST) Já a tarde caía quando recolhemos muito lentamente. E toda essa adorável paz do céu,
realmente celestial, e dos campos, onde cada folhinha conservava uma quietação contemplativa, na
luz docemente desmaiada, pousando sobre as coisas com um liso e leve afago, penetrava tão
profundamente Jacinto, que eu o senti, no silêncio em que caíramos, suspirar de puro alívio.
      Depois, muito gravemente:
Tu dizes que na Natureza não há pensamento...
Outra vez! Olha que maçada! Eu...
Mas é por estar nela suprimido o pensamento que lhe está poupado o sofrimento! Nós,
desgraçados, não podemos suprimir o pensamento, mas certamente o podemos disciplinar e impedir
que ele se estonteie e se esfalfe, como na fornalha das cidades, ideando gozos que nunca se realizam,
aspirando a certezas que nunca se atingem!... E é o que aconselham estas colinas e estas árvores à
nossa alma, que vela e se agita que viva na paz de um sonho vago e nada apeteça, nada tema, contra
nada se insurja, e deixe o mundo rolar, não esperando dele senão um rumor de harmonia, que a
embale e lhe favoreça o dormir dentro da mão de Deus. Hem, não te parece, Zé Fernandes?
      Talvez. Mas é necessário então viver num mosteiro, com o temperamento de S. Bruno, ou ter cento
e quarenta contos de renda e o desplante de certos Jacintos...
                                    Eça de Queirós, A cidade e as serras.
Considerado no contexto de A cidade e as serras, o diálogo presente no excerto revela que, nesse
romance de Eça de Queirós, o elogio da natureza e da vida rural··(a) indica que o escritor, em sua
última fase, abandonara o Realismo em favor do Naturalismo, privilegiando, de certo modo, a
observação da natureza em detrimento da crítica social.
b) demonstra que a consciência ecológica do escritor já era desenvolvida o bastante para fazê-lo
rejeitar, ao longo de toda a narrativa, as intervenções humanas no meio natural.
c) guarda aspectos conservadores, predominantemente voltados para a estabilidade social, embora o
escritor mantenha, em certa medida, a prática da ironia que o caracteriza.d) serve de pretexto para que o escritor critique, sob certos aspectos, os efeitos da revolução
industrial e da urbanização acelerada que se haviam processado em Portugal nos primeiros anos do
Século XIX.
e) veicula uma sátira radical da religião, embora o escritor simule conservar, até certo ponto, a
veneração pela Igreja Católica que manifestara em seus primeiros romances.

4. (PUC) O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, publicado em 1901, é desenvolvimento
de um conto chamado “Civilização”. Do romance como um todo pode afirmar-se que··(
A) apresenta um narrador que se recorda de uma viagem que fizera havia algum tempo ao Oriente
Médio, à Terra Santa, de onde deveria trazer uma relíquia para uma tia velha, beata e rica.
B) caracteriza uma narrativa em que se analisam os mecanismos do casamento e o comportamento
da pequena burguesia da cidade de Lisboa.
C) apresenta uma personagem que detesta inicialmente a vida do campo, aderindo ao
desenvolvimento tecnológico da cidade, mas que ao final regressa à vida campesina e a transforma
com a aplicação de seus conhecimentos técnicos e científicos.
D) revela narrativa cujo enredo envolve a vida devota da província e o celibato clerical e caracteriza a
situação de decadência e alienação de Leiria, tomando-a como espelho da marginalização de todo o
país com relação ao contexto europeu.
E) se desenvolve em duas linhas de ação: uma marcada por amores incestuosos; outra voltada para a
análise da vida da alta burguesia lisboeta.

COMENTÁRIOS: A obra A Cidade e as Serras relatam as transformações na maneira de o protagonista
Jacinto encarar o mundo. Inicialmente ele se encontra inserido na modernidade, vivendo em Paris,
entusiasta das novidades tecnológicas. Depois de uma crise de “fartura”, muito deprimido,
reencontra o prazer de viver nas serras de Tormes, em uma vida simples que anteriormente criticava.
Essa nova fase conscientiza o protagonista dos problemas sociais, levando-o a procurar conciliar os
avanços tecnológicos com o modo de vida local.

5-- O romance A cidade e as serras pode ser dividido em duas partes.Quais são elas e quais as
principais  características de cada uma?
6- No oitavo capítulo do livro  A cidade e as serras, Jacinto  planeja e executa uma viagem  a
Portugal.Responda ao que se pede:
a) A viagem acontece da forma como o narrador a planejara?
b) Qual a importância desse capítulo  na estruturação da narrativa?
7- Os tipos femininos  apresentados pelo narrador  possuem diferenças significativas  de caráter e tais
diferenças  são devidas ao fato de elas residirem  em localidades diferentes.Mencione ao menos uma
personagem de cada localidade  e explique as diferenças entre elas.
8- A vida de Jacinto em Paris, no apartamento 202, é marcada por uma série de episódios
cômicos.Mencione ao menos um deles e relate a crítica do autor  sobre o episódio.

Profª
Vera Lucia Costalonga Lopes 
Graduada em Letras /Português / Inglês pela UNIoeste – de Presidente Prudente /SP 
Pedagogia/supervisão / administração / coordenação pela Fafiprev  de Venceslau-SP
 Especialista em Docência do Ensino Superior - Pós-Graduada Pela Unipan de Cascavel-PR  

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